28 abril 2010

A pop Star

Recostado na sua cadeira, uma cadeira larga e quebrada, polvilhada com cinzas, meu pai passa os canais da TV, toma outro cálice de Seagrams, simples, e pergunta o que fazer comigo, um rapaz novo e verde, que nem considera a falta de sentido do mundo, desde que as coisas se me tornaram fáceis.

Fixo os olhos na sua cara, um olhar que lhe afasta a testa; estou certo de que ele não tem consciência dos seus negros olhos de água, estes que balançam em diferentes direções, e dos seus lentos e indesejados espasmos que demoram a desaparecer.

Ouço, aceno abertamente até tocar na sua pálida camisa bege, gritando, gritando nos seus ouvidos, pendurados com lóbulos pesados; mas ele está a contar a sua piada, e então pergunto-lhe por que parece tão infeliz, ao que me responde….

Mas eu não quero mais a porcaria da resposta, porque passou todo o tempo, e por baixo da minha cadeira eu tiro o espelho que guardei. Eu rio-me, rio-me à gargalhada, o sangue escorre da sua cara até a minha, e cresce um pequeno lugar no meu cérebro, algo que deverá ser extirpado, como se fosse um caroço de melancia, com os dois dedos.

Papai toma outro cálice, simples, repara na pequena mancha de âmbar nos seus calções, igual à que eu tenho nos meus, e faz-me cheirar do seu cheiro, e este vem apenas de mim. Ele continua a passar os canais, recita um poema antigo que escreveu antes de a sua mãe falecer, levanta-se, grita, e pede um abraço, assim que eu encolho, com os meus braços mal conseguindo dar a volta ao seu grosso e oleoso pescoço, e às suas costas largas, porque eu vejo a minha cara emoldurada na armação preta dos óculos do papai. E descubro que ele também se ri.

Belo texto esse!

Só que o autor não sou eu. É alguém do sexo masculino, de tez bronzeada, como disse o Berlusconi, aquela Martha Suplicy que eles têm de suportar lá na Itália. Adivinhou? É com orgulho que lhes apresento um impensável colega beletrista, graças a uma indicação da amiga Inês Ramos. Adaptei algo da tradução lusitana do Tiago Nenê.



26 abril 2010

Ela


"Sou uma mulher dura cercada por ministros meigos." (Revista Época, edição de 11 de julho de 2009, citada no site abaixo)

Cada um tem o biógrafo que merece. Com o conteúdo que o autor entende adequado.

A célebre biografia de Jesus, de autoria de Daniel-Rops, editada por Luis de Caralt em Barcelona, Jesús en su Tiempo, derrama-se por mais de 630 páginas de bom tamanho. Só a introdução, na qual ele explica como conocemos a Jesús, vai da página 07 à página 76, iniciando-se com a célebre frase “La existencia de aquel hombre es un hecho indiscutible.” E, ao fazer as indicações bibliográficas, dentre as fontes consultadas por ele, desculpa-se Daniel-Rops: “Una biografia de la vida y de la doctrina de Jesús, incluso sumaria, es apenas concedible; harían falta para ello libros interos. Nos limitamos aqui, por tanto, a indicar las obras que nos han sido útiles y sobre todo las que pueden permitir al lector proseguir más adelante sus estudios.”

A Internet, como sabemos, é o instrumento que todos os preguiçosos do mundo pediram a Deus. Eu que me esgoelava baixando minha Barsa do alto da prateleira quando a ignorância pesava muito, hoje vou à Internet e, num piscar de olhos sei qual é a capital da Zâmbia, algo muito útil nesses dias de globalização. Ou o ano em que o Randolph Scott e o Cary Grant se separaram. Ou para saber o nome que se dá ao desvio de bens públicos para si ou para terceiros, por exemplo.

A Wilkipédia, como sabem alguns, é uma enciclopédia sensacional: você escreve sua própria biografia, coloca lá, e o mundo inteiro fica sabendo o que você acha de você. É só tomar cuidado para não deixar passar alguma frase ou palavra que traiam seu entusiasmo pelo próprio umbigo.

Enviam-me a biografia de uma senhora que, tempos passados, chegou a cativar-me. Já que o sexo masculino tem produzido os políticos que temos, os quais, juntados, poderiam ser úteis num desses vasos de sete ervas que colocamos do lado de fora da porta, para espantar o azar, quem sabe valeria a pena variar. Sempre achei que era hora do ingresso de pessoas do sexo feminino na política e na magistratura, muito embora meu amigo e colega Braguinha me comprovasse, de Bíblia em punho, que há absoluta incompatibilidade entre o sexo feminina e a chamada coisa pública. Depois da Marta em São Paulo, a Benedita em Brasília e a Ieda no Sul, fico a cismar se o homem não teria razão. A propósito: alguém aí conhece alguma juíza que vestiu a toga mas deixou a arrogância no armário? Não quero dizer que não exista. Iaque e ornitorrinco, segundo dizem, também existem, mas esses eu só vi em fotografia.

Pois a tal autobiografada é filha de um advogado e empreendedor búlgaro naturalizado brasileiro.

(Que é um empreendedor? Cartas à redação.)

Seu pai manteve estreita amizade com a poetisa búlgara Elisaveta Bagriana, foi filiado ao Partido Comunista da Bulgária e frequentava os círculos literários nos anos 1920.

(Que é “manter estreita amizade”? Quais reflexos disso na biografia da moça? Ela alguma vez frequentou “círculos literários”? Quais? Idem.)

Ele chegou ao Brasil no fim da década de 1930, já viúvo, tendo deixado um filho em sua terra natal, Luben, morto em 2007, mas se mudou para Buenos Aires e anos depois retornou ao Brasil, fixando-se em São Paulo, onde prosperou.

(É importantíssimo que ao redigir sua própria biografia você deixe de lado familiares que só são importantes para você. Que interessa a alguém se meu tio morreu aos 59 anos de idade de escarlatina?)

Em uma viagem a Uberaba conheceu Dilma Jane Silva, moça fluminense de Nova Friburgo, professora de vinte anos, criada no interior de Minas Gerais, onde seus pais eram pecuaristas. Casaram-se e fixaram residência em Belo Horizonte, onde tiveram três filhos.

(Qual a importância de eu saber que a mãe da moça era de Nova Friburgo e que seus pais eram pecuaristas? Mais cartas à redação.)

Pedro Roussef trabalhou para a siderúrgica Mannesmann, além de construir e vender imóveis.

(Que significa “trabalhou para”? E ainda tinha tempo para “construir” imóveis!)

A família vivia em uma casa espaçosa, servida por três empregadas, onde as refeições eram servidas à francesa.

(Mensagem embutida: “Tão pensano que eu sou uma pé rapada ou o quê?”)

Os filhos tiveram uma formação clássica, tendo aulas de piano e francês.

(Que você entende por “formação clássica”? Ibidem.)

Vencida a resistência inicial da sociedade local contra os estrangeiros, passaram a frequentar os clubes e as escolas mais tradicionais. Incentivada pelo pai, a moça adquiriu cedo o gosto pela leitura. Falecido em 1962, Pedro Roussef deixou de herança por volta de 15 imóveis de valor.

(Era, de fato, um homem que sabia juntar dinheiro.)

Régis Debray escreveu Revolução na Revolução, livro que incentivou Dilma a ingressar na luta armada.

(Epa! Filha de um ricaço renuncia a tudo depois de ter lido um único livro? Aí tem. Me explica, Freud.)

Em 1965, ao ingressar no ensino médio, ela trocou o conservador Colégio Sion pelo Colégio Estadual Central, escola pública mista onde o movimento estudantil era ativo, especialmente por conta do recente golpe militar.

(Se ela nasceu em 1947, em 1965 quantos anos teria? E bastou o livro do Debray para convertê-la?)

De acordo com ela (sic), foi nesta escola que ficou "bem subversiva" (sic) e que percebeu que o mundo não era para "debutante", iniciando sua educação política (sic).

Em 1967, ingressou na Política Operária - POLOP, uma organização fundada em 1961, oriunda do Partido Socialista Brasileiro. Seus militantes logo viram-se divididos em relação ao método a ser utilizado para a implantação do socialismo: enquanto alguns defendiam a luta pela convocação de uma assembleia constituinte, outros preferiam a luta armada. Dilma ficou com o segundo grupo, que deu origem ao Comando de Libertação Nacional (COLINA). Para Apolo Heringer, que foi dirigente do COLINA em 1968 e havia sido professor de Dilma na escola secundária, a jovem escolheu a luta armada depois que leu Revolução na Revolução, de Régis Debray, um francês que havia se mudado para Cuba e ficado amigo de Fidel Castro.

(A biblioteca da moça, como se vê, era vasta, composta de quase dois volumes. E Regis Debray é apenas “um francês”, mero figurante, como um tal de Daniel Marc Cohn-Bendit)

Foi nessa época que conheceu Cláudio Galeno Linhares, cinco anos mais velho, que também defendia a luta armada. Galeno ingressara na POLOP em 1962, havia servido no Exército, participara da sublevação dos marinheiros por ocasião do golpe militar e fora preso na Ilha das Cobras. Casaram-se em 1967, apenas no civil, depois de um ano de namoro.

(Aqui estão as digitais da autobiografada: é importante ressalvar que uma jovem revolucionária não casou no religioso. E que, como toda mineira, subversiva ou não, “namorou”. Tão pensano u quê, uai.)

Fico por aqui, que tenho coisa mais importante a fazer e, além do mais, gozo de isenção etária de pleitos eleitorais, que isso é, segundo nossos congressistas, coisa para jovens, como o Zé Dirceu.

Mas, se quiser divertir-se, dê um pulinho na autobiografia da moça.

Estando ali, repare nesta mea culpa: “O site oficial da Casa Civil informava erroneamente que Dilma era mestre em teoria econômica pela Unicamp e doutoranda em economia monetária e financeira pela mesma universidade. Na Plataforma Lattes, Dilma estava identificada como mestra, com título obtido em 1979, e doutoranda em ciências sociais aplicadas desde 1998. Conforme informações da Unicamp, Dilma cumpriu os créditos (cursou as disciplinas e demais requisitos) referentes aos cursos, mas não defendeu as teses, não obtendo assim os títulos. A assessoria de imprensa da Casa Civil reconheceu que informara errado a titulação da ministra, trocando primeiro para ‘cursou mestrado e doutorado pela Unicamp’ e depois para ‘foi aluna de mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp, onde concluiu os respectivos créditos’.”

Talvez seja o caso de reproduzir a irreverência do humorista jornalístico: ela, ao fim e ao cabo, não passa di ulma grandessíssima filha de um esquema perverso e perigoso.

11 abril 2010

Do Lula pro Sarney

Escuite aqui mano meu:

Fio nóis tudo temo.

Argum fio como os teu

faiz coisa queu munto temo.


Os nome de argum circula

e aparece nos jorná.

Nun vai tá aqui mano Lula

pros escândalo abafá.


Peça aí pros teu menino

pra tentá se acomportá,

pois o Serra tá tinino

pra Dirminha derrubá.


Fico fora só treis dia,

é um pé lá e um pé cá.

Quero nada de fulia

cá na minha capitá.


É um aviso que eu faço

a quem me é quagi ermão:

quem fiscaliza o palaço

é os jornalista do Estadão.