“Saber que se está com câncer é um choque. Sentimo-nos traídos pela vida e pelo próprio corpo. Mas ficar sabendo de umas recaída é terrível. É como se dscobríssemos de repente que o monstro, que acreditávamos ter abatido, não está morto, e não havia parado de nos seguir na sombra, e terminou nos pegando.” (David Servan Schreiber, Anticâncer)
Diz
a biografia oficial que ela nasceu na cidade de Taubaté, interior de São Paulo,
em 08 de março de 1929, filha do violonista Fego Camargo. Iniciou sua carreira
como cantora, atuou em várias emissoras de rádio, em diversas capitais do
Brasil. O primeiro trabalho de Hebe foi ao lado de sua irmã Estela e das primas
Helena e Maria. Depois ela e a irmã formaram uma dupla sertaneja. Aí veio o
primeiro contrato como cantora-solo, nas Rádios Tupi e Difusora de São Paulo.
Quando veio a televisão, foi contratada por Dermeval Costa Lima, o todo
poderoso da TV Paulista, no início de 1952.
O
que a biografia oficial não diz é que ela era morena, tinha sobrancelhas que
pareciam duas taturanas se beijando. Carinha comum,
corpinho comum e nada sexy. Mas se dizia que ela e o Costa Lima sei não, sei
não, coisa que ela, sempre desbocada, jamais admitiu, dizendo até que era amiga
da mulher do chefe. Então tá.
Digo
eu que foi aí que nos conhecemos.
Foi
assim: a emissora de televisão onde ela atuava apresentava um programa tipo “A
felicidade bate á sua porta”. A felicidade, na verdade, era um caminhão que ia
até uma casa de bairro e se a moradora tivesse ali algum produto fabricado pelo
patrocinador do programa, ganhava um pacote disto e mais uma caixa daquilo.
Para consolar as vizinhas despeitadas, baixavam-se as “guardas” do caminhão,
que se transformava num palco tosco, onde dois ou três músicos acompanhavam a
cantora que era ninguém menos do que a Hebe. O público,
evidentemente, eram as donas de casa, matronas que, naqueles idos, jamais
pensariam em queimar sutians, tomar anticoncepcionais ou trabalhar fora de
casa. Além delas, as crianças que já haviam voltado da escola por ali se
acotovelavam. Dentre elas, um garoto espichado, um “pirolão”, como então se
dizia. Ninguém menos do que este que vos fala, uns 8 anos mais novo do que a
precoce cantora.
Naquele
dia o repertório terminava com “Beijinho doce”, que ela encerrava com um beijo
na palma da mão e um sopro na direção do galã escolhido, que era ninguém menos
do que o tal pirolão, que procurou um buraco no chão para enfiar a cabeça.
O
tempo foi passando, mais depressa para mim do que para ela, eu fui envelhecendo
e ela cada vez mais moça, agora distribuindo beijos a granel, os tais
“selinhos”. Em certo programa ela tentou dar uma selada no Jamelão e quase levou um
safanão. “O que que a patroa vai dizer quando eu chegar lá em casa?” protestou
ele, com aquele vozeirão que nos encantava.
Tivemos
algo em comum: um primeiro câncer. Alguns médicos, atrevidamente, depois de um
tratamento bem sucedido, dizem que o câncer está curado. Outros advertem que,
naquele tipo de câncer (pois câncer é como rosa: há de muitas cores) o risco de
recidiva (nome que eles dão à reincidência) é de 30, 40 ou 50%. Outros, mais
drásticos, dizem que o câncer é uma moléstia crônica, que, como tal, deve ser
fiscalizada por todo o resto de vida. O fato é que, superado o primeiro,
tivemos um segundo, do qual ambos nos safamos. Veio um terceiro e cada um de
nós procurou driblá-lo como nos permitia o bom humor e os avanços da medicina,
nome, aliás, bem escolhido do Instituto da Dra. Nise Yamaguchi, que é quem tem
cuidado dos meus com tal dedicação que merece o registro.
Adeus, colega.