08 abril 2013

Verdades e Mentiras

 

“A verdade não só é muito mais incrível do que a ficção como é muito mais difícil de inventar.” Millôr Fernandes

 
Que é a verdade? Dentre outras definições possíveis, gosto desta: é a conformidade perfeita entre um fato ou objeto e sua representação mental. Os antigos diziam, por isso, que nihil est in intellectu quod non  prius in  sensibus. Em linguagem de vivos: para que algo chegue à nossa mente, deve antes passar pelos nossos sentidos.
É aí que a porca torce o rabo, pois nossos sentidos nem sempre são dignos de muita confiança, a começar pela visão. Cada leitor tem casos e mais casos para contar sobre as inúmeras vezes em que “tomou a nuvem por Juno”, como diziam meus avós. A bolorenta frase refere-se ao fato de as nuvens formarem figuras, que nossa imaginação vai batizando. Aquilo que para uns é um coelho, para outros talvez seja um canguru. E quando chamamos um terceiro para desempatar, a nuvem já virou outra coisa.
Talvez tenha sido a partir de uma experiência dessas que o psicanalista suíço Hermann Rorschach desenvolveu seus estudos no sentido de estabelecer a relação entre imagens captadas por nossos olhos e o significado psicológico da denominação que damos a elas. Suas tábuas, com manchas coloridas e em preto-e-branco têm sido objeto de estudo e de crítica, até porque a morte precoce do suíço, antes dos 40 anos, não lhe permitiu, certamente, desenvolver seu trabalho.
As pessoas privadas de visão dizem que, na ausência dela, os demais sentidos ficam mais aguçados. Já falei sobre isso e não preciso voltar ao tema.
O filme Dúvida, uma peça de teatro filmada e indicada ao Oscar, especialmente pela interpretação do quarteto central de atores, coisa rara de acontecer, trabalha esse tema: pode-se chegar à verdade por meio da mentira?
De certa forma, o próprio cinema é uma mentira: imagens exibidas sucessivamente, à razão de 24 por segundo, dão-nos a impressão de que algo se movimenta, tanto que, quando o primeiro filme, feito pelos irmãos Lumière, foi exibido, mostrando uma inocente cena de um trem que chegava à estação, muitos espectadores fugiram apavorados, isso em 1895.
Aliás, é  curioso como a mentira é contagiante. Quando uma brasileira, que vivia no Exterior, declarou-se vítima de maus tratos cometidos por xenófobos, o nosso presidente da República, que não prima pela continência verbal, saiu a campo para defender a pretensa vítima. Nosso ministro das Relações Exteriores da época, homem sabidamente escolado, caiu no conto do vigário e extrapolou em críticas inadequadas a quem ocupa tal cargo. Curiosamente, ninguém por aqui se preocupou com alguns aspectos bizarros da coisa. Em primeiro lugar, a agressão se teria passado em local público, em pleno dia, não tendo sido visto por ninguém. Em segundo lugar, os riscos produzidos com estilete no corpo da jovem (todos eles na parte dianteira do corpo) eram todos superficiais, sugerindo extrema calma por parte do seu autor. Por fim, quem se dispusesse a virar a foto de cabeça para baixo notaria que a letra “S” está de cabeça para baixo em ambas as pernas, o que sugere auto-mutilação. Por que nenhum de nós notou nada disso? Talvez porque temos a tendência de ver o que queremos ver.   
O assunto, nas lides forenses, sempre vem a baila, pois a certeza do juiz deve fazer-se a partir de provas, não bastando meros indícios. Beyond a reasonable doubt, como dizem eles lá em cima. Ocorre que uma dúvida que não é razoável para uns será, possivelmente, razoável para outros. Tanto que há os votos vencidos.
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais vem de encarregar-me, um cinéfilo confesso, de elaborar a exibição de filmes sobre o tema “A Justiça e o Cinema”. Estou vasculhando os sebos à procura de obras raras sobre o tema, que acrescentarei aos DVDs que já possuo, como “Sobre Meninos e Lobos”, do Clint Eastwood, “Conduta de Risco”, do Tony Gilroy, “A Sombra de uma Dúvida”, do Alfred Hitchcock, “Rashomon”, do Akira Kurosawa, “Anatomia de um Crime”, do Otto Preminger, “A Vida de David Parker”, de Alan Parker, “Justiça para Todos”, do Norman Jewson, “Mephisto”, do István Szabó, “12 Homens e uma Sentença”, do Sydney Lumet, “O Homem Errado”, do Alfred Hitchcock, “Os Infiltrados”, do Martin Scorsese, “Crimes e Pecados”, do Woody Allen.
Aceito sugestões, desde que se refiram a filmes disponíveis no mercado.

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