Como sabido de quase todos os operadores do Direito, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 3367, relatada pelo Ministro Cézar Peluso, quando julgou pleito apresentado pela Associação dos Magistrados Brasileiros contra a Emenda Constitucional que criou o Conselho Nacional de Justiça, além de afirmar, irrespondivelmente, a constitucionalidade do CNJ, deixou certo que a competência daquele Conselho é “relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal”. Tautologicamente enfatizou que “o Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito”. Sintomaticamente, embora julgasse necessário afirmar e repetir a superioridade hierárquica do Supremo Tribunal, esqueceu-se de aclarar a quem compete julgar eventual deslize atribuído a membro daquela Corte Superior.
Realmente, segundo o art° 8° do Regimento Interno do STF, “compete ao Plenário e às Turmas, nos feitos de sua competência, (II) censurar ou advertir os (sic) juízes das instâncias inferiores e condená-los nas custas, sem prejuízo da competência do Conselho Nacional da Magistratura." Ou seja, nem mesmo o Plenário tem competência para impor sanção administrativa a ministro da Casa. Em outras palavras, a quem compete fiscalizar a conduta dos ministros da Suprema Corte?
De fato, a LOMAN, como é conhecida a lei complementar 35/79, dita Lei Orgânica da Magistratura Nacional, prevê, no art° 35, sem abrir qualquer exceção, serem deveres dos magistrados, qualquer seja o patamar em que estejam:
“I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
III - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que os procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.
V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;
VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;
VII - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.”
Sendo isso assim, a quem compete fiscalizar se o ministro do STF mantém ou não conduta irrepreensível? Se comparece ou não pontualmente ao expediente? Se excede ou não injustificadamente os prazos para decidir ou despachar? Ao que parece, a ninguém. E tanto isso é assim que o índice do RISTF, quando se refere aos seus ministros, arrola todos os temas que lhes dizem respeito, aí não incluídas as palavras “dever” e “obrigação”. Ei-los:
Ministro do STF
– antiguidade: regulação (art° 17);
– apartes (art° 133, parágrafo único);
– arguição de suspeição (art° 278);
– assento: incompatibilidade (art° 18);
– assento no Plenário (art° 144);
– autor: pedido de vista (art° 134);
– composição do gabinete (art° 357);
– convocação nas férias (art° 78, § 3º);
– convocação nos recessos (art° 78, § 3º);
– direitos (art° 16);
– garantias (art. 16);
– impedimentos (art°s 277 e 287);
– incompatibilidade (art° 16);
– jurisdição nacional (art° 20);
– manifestação oral (art° 133);
– posse (art° 15);
– prazos (art° 111);
– prerrogativas (art° 16);
– Presidente do STF: Relator e Revisor (art° 75);
– Relator: atribuições (art° 21);
– Revisor (art° 24);
– suspeição (art° 277);
– transferência de Turma (art° 19).
No dia 02 de agosto último, deu entrada no Conselho Nacional de Justiça, protocolada sob o número 12.636, representação firmada por advogado, na qual, tendo como fato justificador a repercussão negativa causada pela ausência de Ministro do STF para participar de mera festividade social ocorrida no Exterior, quiçá com despesas pagas por advogado, que, notoriamente, freqüenta a Suprema Corte no interesse de sua clientela, era sugerido que aquele E. Conselho “editasse providências com vistas à preservação do respeito devido ao art° 37 da Constituição Federal”. Citou-se então o contido no acórdão da Suprema Corte, proferido na ADC 12/DF, sendo relator o pranteado Ministro Menezes Direito, no sentido de que, “dentro das atribuições do Conselho Nacional de Justiça está a de preservar os princípios que estão presentes no caput do art° 37 da Constituição. E um desses princípios é aquele relativo à moralidade”.
No corpo da representação, aludiu-se ao conhecido discurso proferido pelo Ministro Carlos Maximiliano quando se despediu do E. Supremo Tribunal Federal, onde ele, com toda franqueza, confessa: “O constante receio de aparecer em público em desacordo com as exigências do cargo pesa sobre mim como um rochedo: ao penetrar, por tolerância e com os meus em grill rooms de casinos em réveillons espalhados por todo o mundo, eu, embora jamais indigitado como baluarte contra as atrações do pecado, experimento algo do constrangimento do seminarista que, por maldosos companheiros convidado para uma tertúlia de família, de súbito sofresse o envolvimento traiçoeiro da ruidosa alegria de venustas beldades livres de compromissos e opulentas de audácia”.
“Cabe, portanto, a esse E. Conselho definir se tal comportamento, que, como se vê do noticiário, a muitos se afigura absolutamente insólito, afeiçoa-se ou não aos princípios deontológicos previstos no mencionado art° 37 da Magna Carta” concluía a representação.
A secretaria do CNJ, entretanto, com apoio na Portaria n° CNJ/52, de 20 de abril de 2010, “decidiu” devolver a representação ao signatário, esquecida de que, ao dar-se por incompetente, a “autoridade judiciária” deve, por amor à instrumentalidade do processo, enviar a peça à autoridade que reputa competente. É o que diz o art° 122 da lei n° 5.869/73. Conhece?
Ou seja, delegou-se a um mero funcionário de secretaria a competência para “indeferir liminarmente” uma representação que menos não pretendia do que chamar a atenção daquele Conselho para um fato notório apto a desmoralizar o Judiciário, donde o cabimento do contido no art° 19, II, de seu Regimento Interno, que lhe atribui o poder de “zelar pela observância do art° 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”.
Em derradeiro caso, era de remeter-se a representação à Suprema Corte, para que ela definisse a quem incumbe fiscalizar os fiscais, coisa que a secretaria deixou de fazer.
Fica no ar uma pergunta: quem apuraria a veracidade de uma notícia dizendo que um desses ministros é proprietário de prostíbulo, como ocorre alhures?
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