Ao amigo Francimar Torres Malta, vulgo Cearucho
Minha inglesinha, você fica com esse ai, ai, em lugar de abrir o olho. Caia em si e vá ao mar. Aliás, é melhor rir aqui do que lá.
Que achou desse intróito?
Diz o Houaiss (repare a intimidade) que trocadilho é um jogo de palavras que apresentam sons semelhantes ou iguais, de que resultam equívocos por vezes engraçados. Surpreendentemente para mim, ele indica um sinônimo: calembur. O mesmo diz o Aurélio, que nos apoda, meu caro Cearucho, de calemburistas. Positivamente nós não merecíamos isso.
O curioso é que a palavra francesa calembour (jeu de mots fondé sur la différence de sens entre des mots qui se prononcent de la même façon) corresponde ao nosso qüiproquó, que, antes de ser nosso, era dos romanos, para indicar um equívoco: usar a forma qüi onde o certo seria usar a forma quo.
Pois a palavra inglesa quibble teria vindo do latim quibus. Que é um quibble? A play on words, diz o Webster's. Ou seja, un jeu de mots. Pode?
Ocorre que, da mesma forma como no Brasil o tal calembur só existe nos dicionários, o mesmo acontece nos países de língua inglesa no que diz com o tal quibble. Trocadilho, lá, ou seja, a play on words, tem o pitoresco nome de pun. O nome em si já é um jeu de mots
Mesmo quem não é muito afiado em inglês sabe que o risco de usarmos uma palavra por outra é muito grande. Certa ocasião, empreendi uma conversação com o motorista de taxi nos EUA. Não porque eu falasse tão bem que seria facilmente compreendido, mas porque, sendo ele também estrangeiro, tinha um vocabulário tão limitado quanto o meu e dizia as frases escandindo as palavras, como se fosse um Frank Sinatra, para ser compreendido. Lá pelas tantas ele perguntou qual era minha profissão. Sem pensar muito, banquei involuntariamente o Cearucho: “liar” disse eu, ou seja, mentiroso. Ele caiu numa gargalhada, dando-me tempo de corrigir: “sorry, I’m a lawyer”, disse eu. E ele: “same thing”. Agora quem gargalhou fui eu.
É conhecida a dificuldade que muitos estrangeiros, como os alemães, têm em pronunciar diferentemente “avô” e “avó” tal como fazemos nós, brasileiros e portugueses. Em compensação, muitos estudantes brasileiros confundem a pronúncia de “song of a beach” com a de “son of a bitch”, fazendo puns involuntários.
O hábito de incluir trocadilhos nas frases é um vício como tantos outros e que, como tantos outros, irrita quem não tem aptidão para fazê-los.
Diz-se que a arte do trocadilho é tão velha como a literatura. No Brasil, quando se toca no assunto, vêm-nos à mente os nomes de Emílio de Menezes e de Bastos Tigre. Tantos trocadilhos fizeram que é difícil dizer se este notável jogo de palavras é da autoria de um ou de outro. Tendo hérnia, ele usava uma funda, que comprimia aquela protuberância. Certo dia, ele teria esquecido a funda num outro compartimento da casa e a empregada veio à sala trazer-lha. “Aqui está o seu cinto”, disse ela. E ele:”Não consinto que você confunda cinto com funda.”
Atribui-se a ninguém menos do que Luis Vaz de Camões a autoria destes versos, onde a palavra pena é empregada em mais de um sentido:
“Aviva os espíritos
que, pois em teu favor sou,
esta pena que te dou
fará voar teus escritos.
E dando-lhe a padecer
tudo o que quis que pusesse,
pude, enfim, dele dizer
que me deu com que escrever
o que quis que escrevesse.»
Também eu cometi dos meus:
“Sou rio de água serena,
ao mar caminho no trilho.
Por teu sorriso, morena,
até faço trocadilho.”
Pensei na elaboração de um livro que permitisse aos professores de inglês brincar com os alunos, a partir de homofonias. Trata-se de um diário escrito por uma menina, que tem um irmão menor, André, cuja esperteza irrita sobremaneira a irmã. A redação, portanto, deve buscar corresponder ao modo como uma criança elaboraria as frases.
Algo como isto:
“Jeux de mots means ‘games of words’. For instance, as my father told me, when I say J’ai deux mots I’m saying ‘I have two words’ in French, but the sound is the same of jeux de mots. The same or almost the same, because two things absolutely the same that I know are only two Japanese or two Chinese boys. Isn’t? That’s what I learned in the school.
One day, in an unexpected way, Andre asked our father (he’s my lit brother, you see?): ‘Dad, how can you be dad if you’re alive?’ Mommy got astonished. ‘Bill’, she said her husband, who is my dear father, ‘you must correct that boy. He’s getting impossible with that kind of joke!’ Bill is the nickname mum put over her husband, because his name is William, a very nice name in my opinion and I don’t know why people like mum must to transform it in a little sound that looks like the noun my father William uses to pronounce to the waiter, at the restaurant, when dinner is over, putting his left arm up all the time.
The boy laughed, looking at his mother, that is my mother as well, because he his my brother, as you know, but I dislike him because he is all the time transforming words and you need to pay attention to them to get what that boring boy is trying to tell you.
‘Whalter is that, my-me?’ Walter is the name of our uncle, our mother’s brother, and Andre loves to use it for his puns. ‘Whalter hour u doing?’ he actually asks to me when I am in my room reading some book or at the phone or hearing Diana Kroll or other singer I love. ‘It’s note your bizz, and chat-up your mouse cause I’m needling to be along’ I answer using that stupid kind of phrases he loves to use and I hate when it’s not me who is using them. That earwig!”
Tomo a liberdade de pô-lo aqui porque sei que meus leitores são modernos.
A esta altura você talvez esteja indagando o que faz aqui aquele esquisito parágrafo inicial. Trata-se de puns bilingues:
“Minha inglesinha, você fica com esse ai, ai, em lugar de abrir o olho (eye). Caia em si e vá ao mar (sea). Aliás, é melhor rir lá do que aqui (here).”
Sorry, deer.
Não se esqueça de clicar no tag (a palavra "modernos").
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