21 janeiro 2012

Chaves



Sabemos todos que política é a arte de fazer dos amigos inimigos e dos inimigos amigos. Há quem goste. E se a voz do povo fosse de fato a voz de Deus ninguém contestaria certas eleições, como ocorre amiúde. As do Fidel Castro, por exemplo, praticamente sempre foram vencidas por unanimidade. Ou a do Putin, que pegou carona na eleição do outro. Como é mesmo o nome dele? Isso para não falar na primeira vitória do George W., que contou com o valioso auxílio do irmão e da Suprema Corte, como sabeis muito bem, até porque friends are for things like that, como diz o pessoal do MPB-4.
Aliás, o coleguinha Nélson Rodrigues não dizia que a unanimidade é burra? Pois como pode a voz de Deus ser sinônimo de burrice? E isso dito pelo Nelson, um temente a Deus daqueles? Jamais.
Sinto dizer-lhes, no entanto, que gosto do Chaves. Não preciso dizer que não sou homem de pautar minhas ações a partir da opinião alheia. Creio que já deixei isso muito claro ao longo de minha vida, pergunte a quem não me conhece. Isso no tempo em que ainda nem se falava muito em democracia, como hoje a entendemos, isto é, quem tem cargo público ou dinheiro usa e abusa desse poder impunemente, empregando filhos e amigos. Dizia-se que a virtude está no meio, virtus in medio, muito embora essa primeira palavra aparecesse também no nome de uma pomada que aliviava a hemorróida de minha avó, o que me deixava meio desconfiado da frase, até porque eu ainda não era forte no latim, se é que algum dia o fui.  Pelo sim e pelo não, quero essa virtus longe de mim, que não estou para ser objeto de desconfiança alheia. Pelo menos assim tão cedo. O que contraria o que ficara dito lá em cima, paciência. Ubi homo ibi peccatum, como dizem os padres pedófilos em sua defesa. Pro domo sua, para continuar na mesma lenga-lenga.
Falava-se também naqueles tempos que de gustibus et coloribus non disputandur, o que, em vernáculo, ficou expresso numa pergunta: se todos gostassem do vermelho, que seria do verde? Como verde era a cor do integralismo e vermelho era a dos comunas, a frase poderia ter uma conotação política, o que não estava na intenção do romano que a havia criado, se é que foi criada por algum romano.
Melhor voltarmos ao latim. Como o Cícero teria dito, em pleno Senado romano, galerias repletas de patrícios e patricinhas, “não concordo com uma só das palavras que acabais de dizer, mas defenderei com minha vida o vosso direito de dizê-las.” Ou não foi ele? Acho que estão abusando da minha nobreza!
Já ouvi pessoas argumentarem longamente os motivos pelos quais gostavam de jiló. Ou de uísque. Ou de fumar. E o faziam e fazem com tal veemência que parecia ou parece que seus argumentos iriam fazer do seu interlocutor um jilófago inveterado, ou um fumante semelhante ao Humphrey Bogart ou ao Albert Camus. Ainda se fosse uma dessas mesas-redondas de televisão, onde, com ar de PHs em MBA ou PhDs em TPM, não sei bem isso de siglas, jovens e menos jovens deitam falação sobre técnicas e táticas futebolísticas, vá lá. Mas tais discussões acaloradas por vezes envolvem assuntos menores como economia ou poluição ambiental, como se algum de nós que liga a TV estivesse interessado nisso. Sabemos todos que a economia é coisa muito séria para ficar nas mãos de economistas, tanto que o Joelmir não é economista e nem por isso deixa de deitar falação sobre isso. Já o filho dele, esse cuida de assunto mais importante: o futebol. Logo, melhor ouvirmos os comentários do Neto, com aquele sotaque caipira e tudo, ou Raí, ou do Júnior, ou do Carlos Alberto, ou do Luizinho, ou do Baltazar ou de quem mais as emissoras de televisão resolvam trazer de lá do assento quase etéreo aonde subiste até o recesso de nosso lar para nos ensinar que a bola é redonda e que o atacante estava, de fato, com-ple-ta-men-te impedido, que bola na mão não é o mesmo que mão na bola, que dentro da área o goleiro é o rei, que a linha da área pertence à área, além de outras tantas obviedades semelhantes. Devo, porém, reconhecer que alguns desses jornalistas esportivos por vezes nos fazem rir.                              
Volto, porém, ao princípio. Isso de as pessoas censurarem quem se entusiasma pelo BBB, ou pelo programa do Datena, ou pelos eloqüentes silêncios do Gabeira e do Clodovil no Congresso é, quando menos, um atentado à democracia, pois, se a memória não me falha, está lá naquele que o Getúlio chamava carinhosamente de livrinho e que o doutor Ulisses, tempos depois, elevou à categoria de cidadã, que todos os que moram neste país têm direito a expressar sua opinião sobre todo e qualquer assunto. Ou silenciar, que também é manifestação de vontade. Fui claro? Todo e qualquer assunto, anote aí.
Eis aonde eu queria chegar: ninguém pode ser punido, nem censurado, nem sofrer qualquer restrição à sua liberdade de ir, vir, ficar, entrar, sair, ir novamente e voltar novamente tantas vezes quantas lhe der na telha e sua deambulação compulsiva exigir pelo simples fato de haver manifestado seu pensamento, sua preferência,  seu gosto pessoal, essa coisa tão difícil de termos hoje em dia, quando os meios de comunicação nos despejam, explicita ou liminarmente, todo tipo de condicionamento, o que torna a nossa liberdade de escolha quase uma falésia, como diria o outro, estou até parecendo o Saramago, vejam só, logo aquele comunista, a escrever sem pontos de pausa.
Eu quero chegar ainda mais longe: defendamos todos o nosso direito individual de ligarmos a televisão no programa que bem entendermos, sem que nossa esposa, ou nosso marido venham com argumentos os mais insustentáveis para querer, explicita ou implicitamente, nos convencer de que a opinião dele, ou dela, deve ser a que deve imperar no sagrado recesso de nosso lar, tornando letra morta o postulado da liberdade de escolha que deve presidir a vida sadia de um casal unido pelo matrimônio, dito alhures tálamo conjugal, nome que não nos anima a coisa alguma, reconheço. E meu programa é o do Chaves, eleito recentemente o ainda preferido da maioria dos telepacientes.
Pretendi hoje render homenagem ao Chaves, aquela figura trapalhona que, quando se pensa que está indo, está vindo, sempre a causar danos aos circunstantes, pondo os que lhe são próximos em situação de constrangimento, como o magérrimo senhor Madruga, que vez ou outra recebe uma paulada no queixo ou uma latada d’água no cocuruto. Ou a vítima da vez é o Quico, aquele simpático garoto que, a esta altura, já morreu de velhice. Um ator já avô e ainda com aquelas calças curtas fingindo-se de criança, como o Roberto Bolaños, nascido em 1929, e cujo tio era juiz de menores é coisa para ser levada a sério. Esse o nome real do Chaves, aquele humorista do México, não o outro, o do ¿Por que no te callas?, dito pelo rei espanhol. Querem coisa mais pós-moderna do que isso? Isso, isso, isso, como diz ele.
Direis que não fica bem a alguém com minha cultura e meu tirocínio confessar que não perco um capítulo do Chapolim Colorado, com seus truques mais velhos e canhestros do que os que faziam o Arrelia e seu sobrinho Pimentinha lá vão anos e mais anos. Direis, mais, que em tempos do humor enlatado da televisão, um dos quais tem na  logomarca, despudoradamente, nada mais nada menos do que o desenho da folha da nossa velha e sempre nova cannabis sativa, aquele cenário da série do Chapolim, digno de um Bye, Bye Brasil, chega a doer nos olhos. Tá bom, ta bom, mas não se irrite, como diria o seu alter ego.
Pensando bem, há por esse mundo de Deus figuras bem mais ridículas do que aquelas, que, lamentavelmente, não se dão conta das ridicularias que cometem, com a agravante de nos fazerem chorar de ódio, em lugar de rir de sua canhestrice, até porque acabam se metendo na política. E quando esses líderes, alguns deles mundiais, dizem “Sigam-me os bons”, imitando o Chapolim, é para seguir mesmo, ainda que a manada toda vá parar num brejão no Iraque?
E quando tudo dá errado, certamente o Grande Líder chapliniano pós-moderno, cujo desprestígio é de tal monta que nem o candidato do seu partido o quer no mesmo palanque, dirá: “não contavam com a minha falta de astúcia”.
Melhor ver o Roberto Gómez Bolaños. 



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