13 fevereiro 2012

Jardins verticais


“A ampliação da violência e da destrutividade em escala nacional e mundial tem chamado a atenção dos profissionais e do público para a elucidação teórica quanto à natureza e às causas da agressão. Uma preocupação desse teor não é de surpreender; o que constitui surpresa é o fato de que essa preocupação seja de data tão recente, especialmente quando um investigador da estatura de Freud, revisando sua teoria inicial, centrada em torno da impulsão sexual, já havia, na década dos anos 1920, formulado uma nova teoria em que a paixão de destruir (o instinto de morte) era considerado de igual potência à da paixão de amar (instinto de vida).” (Erich Fromm, Anatomia da Destrutividade Humana, 1973)

Embora combata o desperdício, por motivos óbvios, não pertenço ao time dos ecochatos, até porque não há como negar alguns fatos que não dependem de opinião nem de boa vontade, como as naturais consequências desgastantes da ação do tempo sobre o nosso planeta.
Por exemplo, nosso sistema solar está numa galáxia, como sabem até as crianças, batizada poeticamente de Via Láctea, ou Caminho Leitoso, pelos pastores da Antiguidade, que ficavam embasbacados diante de um céu estrelado, coisa que o “progresso” hoje nos impede de fazer, seja pelo excesso de luz artificial, seja pelo ar poluído das grandes cidades. É composta de número incalculável de estrelas, entre 200 e 400 bilhões. A simples dificuldade de fazer-se uma afirmação a respeito disso já mostra o tamanho da encrenca. Nem é preciso lembrar que há bilhões (ou seriam trilhões?) de galáxias no Universo, uma das quais sendo Andrômeda, nossa vizinha. Pegue um foguete interplanetário e dentro de uns 3.000.000 de anos (luz!) você estará lá. Tanto a nossa galáxia como as demais estão em movimento. O único problema, simplesmente insolúvel, é que a Via Láctea e Andrômeda caminham em direções opostas, uma ao encontro da outra. Acho que dá para imaginar o que vai acontecer quando o espaço entre elas for igual a zero. Se você viu o premiado filme Melancolia, do Lars Von Trier, sabe do que eu estou falando. Felizmente, muito antes disso, se os cálculos dos especialistas não falhar, o calor do sol, que já vem aumentando de século para século, será tal que a Terra não passará de uma bola de fogo como tantas que gravitam no espaço sideral. Prepare o protetor solar, mesmo sabendo que isso deverá ocorrer daqui a 1 bilhão de anos. Vai que, como diz o comercial, tenham colocado alguns zeros a mais no cálculo...
Aliás, os continentes da Terra também não estão parados. O espaço entre a costa Leste da América do Sul e a costa Oeste da África, por exemplo, que se encaixam perfeitamente, que começou a aumentar há algum tempo, quando a Pangéia se foi enrugando, como resultado de forças que atuam subterraneamente, movimentando as tais placas tectônicas, aumenta à razão de 5 centímetros por ano. Se você leu “Jangada de Pedra”, do Saramago, sabe do que estou a falar. Isso quer dizer que nossos tetranetos demorarão mais para ir da Bahia a Moçambique, nadando, do que nós.
Também não acredito que deixando de escovar os dentes e carregando as compras do supermercado no bolso da calça estarei afastando a possibilidade de faltar água para o gelo do teu uísque, caro amigo. Quando estive em Roma a primeira vez, indaguei ao guia, caipira como eu só, que história era aquela de fazer viaduto sem rua passando embaixo. E ele pacientemente me explicou que o que passara por ali, havia muito tempo, era água, tanto que aqueles arcos que o senhor está vendo ali, imitados por vocês na Lapa, Rio de Janeiro, chama-se aqueduto, ou seja, “aquilo que conduz água”. Alguém do grupo perguntou: “Quer dizer que viaduto...” O grupo achou melhor cantar o “La Donna è móbile” para que não passássemos mais vergonha.
Tudo isso para dizer que pertenço a um grupo de voluntários (ou malucos, segundo alguns) que, nas horas de folga, resolvemos embelezar as ruas do bairro onde moramos. Entre tapar os buracos da calçada e colocar fralda nos cachorros que por aqui desfilam, resolvemos fixar orquídeas nas árvores das calçadas, muitas das quais já estão florindo. A diferença entre a minha técnica e a dos demais é bastante sutil.
Sabemos todos que a orquídea, da qual se conhecem milhares e milhares de espécies, não é, rigorosamente falando, uma “parasita”. Isto é, como mera planta epífita (literalmente, “vive sobre árvore”) que é, ela apenas se apóia numa árvore e ali colhe seu alimento do ar e da umidade da chuva e da garoa. Hóspede e hospedeira convivem indefinidamente sem que uma cause problema à outra.
Dentre as modalidades em voga, destaco a falenopse, como escreve o Houaiss, que as casas especializadas preferem grafar em latim: phalenopsis. Ela tem a particularidade de lançar uma haste, que chega a atingir mais de 50 centímetros, em torno da qual se fixam as flores, que parecem borboletas. E é justamente essa semelhança que lhe deu o nome, pois falena, em latim, quer dizer borboleta. Apresentam-se, graças à hibridação, de vários tamanhos e de cores diversas, desde o branco ao roxo. Algumas são rajadas; outras são pintalgadas, como se fossem borboletas dálmatas.
Falemos da minha técnica.
A maioria das pessoas acha que a orquídea precisa do xaxim ou de cavacos de madeira ou de casca de coco para se alimentarem. Vai daí, fixam com arame nos troncos da árvore o próprio vaso da planta, criando um apêndice horroroso, que enfeia a árvore. Considerando que o que a planta necessita é de fixar as raízes no tronco da árvore, tudo aquilo é dispensável. Em razão disso, eu escolho uma árvore de tronco grosso e cascudo, vou a uma “axila” (aquele ponto em que um galho sai da árvore e sobe) e prego ali, parcialmente, 4 pregos de aço de bom tamanho. Coloco a planta sobre o quadrado formado pelos pregos e, valendo-me do arame mais fino que encontrar, faço uma teia com ele sobre as raízes da planta, unindo prego a prego. Assim fixada a orquídea, eu termino de fixar os pregos, enterrando-os totalmente no tronco da árvore. Como o prego é neutro, por ser de aço, não causará prejuízo nenhum à árvore e será coberto pela casca quando ela se renovar, como ocorre anualmente; como o arame estará sujeito à chuva, com o tempo ele oxidará e desaparecerá por completo. Ou seja, daqui a alguns anos a orquídea estará implantada na árvore, graças a suas longas raízes, sem vestígio algum da ação humana. 
Aí fica a sugestão, lembrando, porém, que a experiência mostra que, se a flor puder ser alcançada por um passante, ela ficará pouco tempo exposta.
Como dizia Fromm, Freud explica.

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