19 fevereiro 2012

Bate-boca magistral


”Mestre em Direito, juiz Federal, presidente do CADE, tantos são os títulos que o magnífico reitor da USP João Grandino Rodas possui que seria difícil encontrar um que ele ainda não tivesse. Mas os alunos, antigos e atuais, do Largo de S. Francisco, querendo homenagear seu antigo diretor, encontraram. Encontraram e outorgaram. Com efeito, desde ontem, João Grandino Rodas ostenta a desditosa láurea de persona non grata no território livre da Academia de Direito de S. Paulo.”

“Sem julgamento, ações contra juízes prescrevem nos tribunais estaduais.” (jornal O Estado de S. Paulo, edição de 22.11.11)


A doutora Eliana Calmon Alves é, antes de tudo, uma pessoa prática. Antes de colocar seus comentários ao Código Tributário à disposição dos internautas, publicou livro de culinária. Como não fica bem a magistrados dedicarem-se a coisas menores, aquele livro não foi incluído no rol de suas obras constante da biografia oficial divulgada pelo Superior Tribunal de Justiça. Publicar livro de receita não pode; jogar tênis no clube de juízes em dia da semana pela manhã pode.
Já no Supremo Tribunal Federal a coisa é muito outra, pois um livro mais picante do que muitas das comidas feitas por aquela  baiana Ministra consta da biografia do ex-Ministro Eros Grau.
Se alguém se detiver na produção da Corregedoria da Justiça do sarneyento Estado do Maranhão, verificará que representações contra magistrados são ali tratadas com todo cuidado para que não se coloque em dúvida a lisura do Poder Judiciário local. Segundo noticia a imprensa, de 120 representações feitas contra magistrados daquele infeliz Estado em um ano, nenhuma, simplesmente nenhuma redundou em punição.
Claro que isso não é exclusividade daquele tristemente famoso Estado. Na Bahia, o professor J. J. Calmon de Passos (“é seu parente, doutora?”) dizia em palestra na OAB aqui em São Paulo que, certa ocasião, recebeu gentil telefonema de um ex-aluno, agora magistrado, que pretendeu justificar-se: “Caro professor. Examinei detidamente o processo patrocinado pelo professor, tendo como partes fulano e sicrano. Cheguei à conclusão de que seu cliente tem toda razão, mas acabo de receber um telefonema do doutor Antonio Carlos e não tenho como recusar pedido do governador. Espero que o professor compreenda.” Educadamente o J. J. não nos disse qual foi sua resposta.
Eu já disse o que tinha a dizer sobre o Poder Judiciário e suas mazelas, uma das quais o acintoso afastamento definitivo do magistrado faltoso, sem prejuízo de seus vencimentos, preferindo hoje mostrar o seu lado pitoresco, que, aliás, renderia mais alguns volumes de causos. Cobram-me, porém, um posicionamento sobre o episódio envolvendo a Ministra Corregedora-Geral do Judiciário brasileiro e o Presidente do STF e eu não sou de refugar. Fixo-me, porém, em aspectos laterais.
A presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros censura publicamente sua ministra associada, por haver dito que há bandidos na Magistratura. Segundo o Estadão, disse o presidente da AMB que “antes de fazer tal afirmação tem ela que apresentar uma denúncia (sic) formal ao Ministério Público, essa pessoa tem de ser processada, se for o caso tem que ser presa e afastada de suas funções”. O que ele quis dizer, sob o correto fundamento da presunção de inocência, é que ninguém, chame-se ele Paulo, José, Dirceu ou Valdemar, pode ser considerado culpado antes do julgamento do derradeiro recurso de Embargos de Declaração opostos em face da decisão do Agravo Regimental interposto contra a decisão que indeferira o recurso de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão do ministro relator que indeferira o pedido de Incidente de Uniformização apresentado em face do Recurso Extraordinário interposto contra acórdão em Agravo Instrumental apresentado contra decisão que não conhecera de Recurso Especial interposto contra Acórdão que negara provimento a Embargos Declaratórios interpostos em face de decisão que negara provimento a Recurso interposto contra o recebimento de denúncia oferecida contra o interessado. Ponha quatro meses na tramitação de cada um desses recursos e veja quando se teriam passado os fatos.
Tal entidade, ao hipotecar sistematicamente solidariedade a magistrados envolvidos em confusão, cumpre o seu papel. Aliás, um de seus ex-presidentes foi contemplado com aposentadoria compulsória. Quando, no entanto, diz seu presidente que “na magistratura brasileira 99,80% são absolutamente corretos”, ele me dá o direito de perguntar-lhe: “Onde estão os dados estatísticos que demonstram isso?” Allegare et non probare et non allegare paria sunt, como certamente diz S. Exa. e seus colegas em suas decisões.
Certa ocasião, defendi, como advogado, um magistrado paulista que estava sendo processado disciplinarmente. Na sessão de julgamento, o desembargador relator não só descreveu a conduta irregular do magistrado como enfatizou que contra ele já havia sido apresentada meia dúzia de representações, “todas, é bom que se diga, arquivadas”, ressalvou. Indaguei-lhe o motivo daquela referência, pois, em primeiro lugar, se foram arquivadas, não podem ser consideradas maus antecedentes. “Demais disso, quem arquivou essas representações não foi ele, foram Vossas Excelências”, disse eu aos desembargadores.
O juiz foi punido, como não poderia deixar de ser, ante a gravidade dos fatos que ficaram provados no processo, e posto em disponibilidade remunerada, com a obrigação de não poder advogar. Certamente, como tantos outros nessa mesma situação, trabalha normalmente no escritório de advocacia da esposa, do filho ou de um amigo, tendo o cuidado de por nas petições os nomes deles e não o seu.
A propósito, meu caríssimo Calandra, qual a posição da nossa AMB diante desse tipo de “punição”, que, na prática, é um convite ao cometimento de infrações?
Aliás, para horror dos economistas, recentemente S. Exa. declarou que as férias anuais de 60 dias, privilégio dos magistrados, deveriam ser estendidas a todos os trabalhadores, coisa que nem algum país socialista adotou. Como essa extensão é economicamente inviável, especialmente neste momento que uma crise global vai levando de roldão economias outrora sólidas, aquela proposta é um autêntico tiro no pé: ou são elas uma necessidade real, constituindo direito de todos, ou é um privilégio odioso e deve ser cancelado. 
A propósito: se elas são realmente essenciais ao bom exercício da judicatura, como explicar que parte delas costume ser "vendida" e, portanto, não ser gozada?     

Um comentário:

  1. ... acabei de perder um 'bieti' eletrônico nessa máquina, só posso afirmar que estava uma loucura, já que esse olhar é permitido aos 'normais', ... fico então com o pensamento do médico psicoloco Alexandre Dahmer, de Porto Alegre, ... 'não deixe que a loucura dos outros piore a sua!', ... e para ir mais longe, tomando cuidado para poder voltar, ... consulte o Elogio de Loucura, do Erasmo de Roterdan, ... e tudo para tentar como protagozava o Antonio Olinto, ... 'ser feliz, igual a irresistível água de chafariz',... Com uma advertência afetiva, ... abril já aponta no nosso 'telescópio' temporal, ... ou será que, de fato, prometer e cumprir é muito para um homem so. Cordiais saudações! Cleanto Farina Weidlich

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