06 setembro 2012

Cognatos



“Cunhado não é parente!” (Leonel Brizola)

A palavra cognato serve para indicar, em português, aquele parente que não é bem um parente. É assim um parente de segunda mão. Não era parente, tornou-se parente e daqui a alguns anos voltará a deixar de ser parente. Estou falando do cunhado, aquela compensação que o destino lhe impõe por haver-se enamorado da bela irmã dele.

Cognato, portanto, é algo que lembra um produto que fez muito sucesso no tempo de teu avô. Era um produto que “devolvia a cor do seu cabelo”, eufemismo para designar uma tintura pura e simples. A propaganda malandra dizia que “parece remédio mas não é”. Remédio contra que doença? Talvez a velhice.

Os cunhados falsos são um tormento de nós todos. Já os falsos cognatos são o tormento de quem se põe a falar outra língua. Ou, pior, escrever em outra língua.

Por exemplo, você se mete a ler um texto em francês. O tal texto alude a números, a quantidades enormes de estrelas existentes na Via Láctea. Algo como “des milliards d’étoiles”. Você conclui, apressadamente, que o autor está dizendo que nossa galáxia possui milhares de estrelas. Certo? Indo humildemente ao dicionário você então descobre que aquela palavra se refere a mil vezes um milhão. Ou seja, ele dizia que a Via Láctea possui bilhões de estrelas.  

Compro livros pela Internet. Dias desses um vendedor norte-americano escreveu-me dizendo “I have been delinquent in sending you the book”. Ou seja, eu tenho sido um delinqüente por enviar-lhe o livro. Epa! Será que eu comprei obra proibida sem saber? Nada disso. A tradução correta da frase é: “fui negligente e ainda não lhe enviei o livro”.  

Lembro-me de que, há muitíssimos anos, um de meus amigos foi ver um filme japonês no falecido cine Tókio, ali na avenida da Liberdade. Lá pelas tantas a moça pega uma fruta de uma trepadeira e o rapaz pergunta a ela se ela pode mostrar-lhe aquilo que ela acaba de colher. O tradutor, certamente filho de japonês, colocou, porém, na boca do rapaz do filme uma frase lamentável. “Mostre-me o cabaço”. O diabo é que a tal fruta, que é do gênero feminino, se chama cabaça e é utilizada, depois de cortada ao meio, para feitura de panelas em alguns estados do nordeste. Passando para o gênero masculino, a palavra designava, não sei se ainda designa, simplesmente o hímen. E tome gargalhada dos poucos brasileiros que assistiam ao filme.

Logo que o Diego deixou o alvi-negro da Vila Belmiro para jogar em Portugal, um jornal de lá noticiou que um colega dele havia rasgado a camisola do jogador brasileiro. Não faltou quem aqui pensasse que o Diego, depois que saíra do Brasil, resolvera sair também do armário, se tornara bicha, palavra que em Portugal se refere à fila, pois homossexual lá é chamado de paneleiro, palavra que, no Brasil, designa quem fabrica ou vende panelas. Sabedor disso, Diego certamente ficaria puto, o que em Portugal quer dizer criança. Sendo certo, outrossim, que armário era o lugar onde antigamente se guardavam as armas e não os pratos e xícaras como se faz hoje.

O professor Jorge de Figueiredo Dias, que leciona Direito em Coimbra, informou-nos que muita gente em Portugal aprecia muito as novelas que se passam no Nordeste brasileiro. Quando passava por lá uma dessas nossas Gabrielas da vida, era comum as pessoas se despedirem dizendo um “inté”. Ou um impensável “tchau!” por força dos italianinhos que falavam com x no lugar do s numa outra novela das oito. Coisas de Ipanema. Segundo ele, certo jornal lisboeta publicava no dia seguinte um glossário, no qual esclarecia o sentido de algumas palavras mais raras utilizadas no capítulo anterior da novela. Entender a novela no dia seguinte deve ser um programão e tanto. Em Portugal.

É verdade, porém, que graças às novelas, muitos portugueses, o Figueiredo Dias entre elas, aprenderam o óbvio: quando um brasileiro diz “pois não” ele está querendo dizer "sim”; quando ele diz “pois sim” ele está querendo dizer “não”. Só mesmo os lusitanos para não entenderem uma coisa tão simples. Mania que eles têm de complicar as coisas, pá!

La vecchiaia è bruta dizem os italianos, o que leva muito brasileiro, que já ouviu a expressão, especialmente quando a linguagem da cidade de São Paulo estava mais para Itália do que para Nordeste brasileiro, como hoje, a concluir que os velhos somos pessoas sem modos, que não atentamos para a segurança dos que nos cercam, que damos trombada, que ofendemos moralmente quem discorda de nós. Quando eu era criança, havia na casa ao lado da nossa uma senhora italiana que vivia dizendo ao filho que ele era bruto. Intrigado, perguntei certo dia à minha mãe porque aquela vizinha dizia aquilo e dona Yolanda Zanzotti, natural de Pordenone, Veneza, Itália, explicou ao curioso filho que bruto quer dizer feio. Era um modo carinhoso de aquela italiana dizer ao filho que não concordava com aquilo que a criança havia feito.

O Alberto Silva Franco conta um caso mais complicado. Estando na Itália, ele mandou reformar uma calça. A costureira explicou o que iria fazer e ele, ingenuamente, perguntou, meio em português, meio em italiano, se aquilo ficaria bem feito. “Fica buono?” A costureira jogou a calça no rosto dele, pois aquele fica se referia a uma das partes mais delicadas da mulher. Ou seja, è un termine volgare e di uso comune impiegato in alcune regioni per indicare l'apparato genitale femminile esterno.”  Apparato genitale, capice?

Já narrei alhures este caso, mas não custa repetir, por sua pertinência. Antes disso, falo dessa última palavra. Não falo da palavra falo, que dá besteira; falo da palavra “pertinência”. Eu presidia uma reunião, tendo em volta da mesa vários amigos meus, nenhum deles da área jurídica. Um primeiro item foi discutido e aprovado. Quando discutíamos um segundo item da longa pauta, um dos presentes, por sinal paraguaio, fez uma observação relativa ao item já aprovado. “Sua observação é impertinente” disse eu ao Dario Cabrera, usando um termo comum no fórum. A mulher do homem se pôs a chorar. Quando conseguiu falar ela lamentou que eu, que eles supunham ser seu amigo, tivesse ofendido daquela maneira o marido dela. E na frente de tanta gente. Expliquei-lhe então que “impertinente” significa apenas algo que não pertine, que não diz com aquele assunto, não pertence ao tópico que estava sendo agora discutido. Não sei se aceitaram a explicação. Acho que não.

Agora conto a tal história que prometi acima: o brasileiro estava no Uruguai, onde foi recebido por um estancieiro. Estivesse no Texas e ele teria sido recebido no rancho do criador de gado, que é como se traduz a palavra ranch que aparece nos filmes de caubói e que corresponde à nossa palavra fazenda. Rancho, para nós, ou é uma casinha simples ou é a comida servida no quartel. No Texas tudo é muito maior.

Pois o brasileiro estava na tal fazenda uruguaia e, por insistência do proprietário, aceitou ficar para jantar. Foi servida sopa e ele, gentil, valeu-se do indefectível portunhol. Dirigiu-se à filha do dono da casa e sapecou: “Passe-me la concha, por favor”. Todos em volta da mesa mudam de cor e emudeceram. A visita, não entendendo nada, tenta esclarecer o ocorrido. “Veo que dejé tu hija embaraçada”. Foi expulso da fazenda imediatamente a tiros de garrucha, que era para aprender a não ser tão grosseiro com as damas. Ele simplesmente desconhecia que embarazo significa gravidez e concha é como ali eles se referem ao órgão sexual feminino. A tal fica a que se refere o Silva Franco. Em suma, apparato genitale femminile esterno.

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