O Joseph Campbell dizia que a vida
alimenta-se da vida. Lembrei-me disso ao ler a narrativa do Pedro Monteiro. De
certa forma, foi ele quem me inspirou esta pensata, digo desde logo.
Em livro não tão recente, falo da
diferença entre agressividade e violência. “Mesmo não nos empolgando uma visão excessivamente fisiológica das
reações humanas, é certo que, da mesma forma como a planta arrostará todos os
obstáculos, até o limite, para sobreviver, assim também os animais criarão
coragem extrema quando se trata de zelar pela prole, maior ainda do que ao
cuidar da própria manutenção, pois a perpetuação da espécie é mais importante
do que a manutenção da vida de um simples exemplar. Nessas situações alguns autores
vêm a presença de uma força que se poderia chamar de agressividade. Sob tal ótica, o peixe maior que
come os gerinos, a garça que come o peixe ou a onça que come a garça não estão
sendo violentos, mas apenas agressivos, no sentido de que destroem para
sobreviver. E, sobrevivendo, mantêm a espécie. Essa pulsão vital é, pois,
absolutamente natural, tanto quanto o medo, que faz o animal mais fraco fugir,
prudentemente, do animal mais forte, a menos que se trate de um animal
racional, quando o medo de parecer covarde tem levado muitos deles, por
imprudência, à morte ou ao crime. Já o homem, que mata aquela onça pelo simples
prazer de caçar, não está sendo agressivo, mas violento. Enquanto a agressividade
deve ser considerada construtiva, pois se refere à manutenção da vida, a
violência é negativa, pois se relaciona à destrutividade, algo específico do
ser humano.
A opção por essas denominações (agressividade lá, violência aqui) pode desagradar os leitores, tendo-as por
arbitrárias, pois talvez prefiram que se fale em “pulsões”. Mas, ao menos para
os efeitos restritos de minha pensata, eu gostaria de mantê-las, para que eu
possa melhor expor meu pensamento.
O ser humano apresenta inúmeras
condutas nas quais se pode ver a presença da agressividade, especialmente em uma
sociedade altamente competitiva como a que conhecemos hoje. No campo dos
esportes - eles mesmos uma sublimação cultural de tendências primitivas - essa
presença é marcante. Tais atividades lidam com uma tendência absolutamente natural:
a agressividade humana.”
Saio do livro para, a exemplo do
Monteiro, falar de uma situação concreta. Eu estava numa chácara, onde havia um
pasto com animais, à beira de um rio. Eu passeava por ali quando vi uma vaca
parir um bezerrinho, experiência rara para alguém que se criou na cidade. Logo
que nascido, o bezerro foi lambido pela mãe, uma conhecida forma de batismo,
pois estabelece a relação mãe/filho. Embevecido com a cena quase não percebi
que acima de minha cabeça um bando de urubus descrevia uma dança soturna,
girando em círculo. O centro do círculo correspondia ao local onde estavam mãe
e filha. Eu havia aprendido com o João do Vale que aquilo
não iria terminar bem. Para o bezerro, é claro.
Não deu outra. Meia dúzia de urubus
aterrissou e eles fizeram um círculo em torno da vaca e seu recém-nascido
filho. A estratégia era simples: enquanto a vaca investia contra um dos urubus,
os demais apertavam o círculo. Num descuido da vaca um deles recolheria o
burrego.
Muni-me de uma vara e tomei o partido
da vaca, tentando espantar os urubus do lado de cá, enquanto ela avançava do
lado de lá. É claro que a vaca me tomou por mais um inimigo e, a todo galope
investia também contra mim, que tinha de desviar-me dela e correr para espantar
os urubus do lado oposto.
Antes que eu e a vaca nos
esgotássemos, berrei e mandei um garoto que por lá apareceu buscar o dono das
reses, vizinho da chácara onde eu estava hospedado. Ele trouxe dois empregados,
puseram mãe e filho na camioneta e concluí que minha boa ação não foi em vão.
Eis um eloqüente exemplo de
agressividade.
Algum tempo depois, o tal vizinho
despediu um daqueles empregados que, com ele, haviam evitado que a
agressividade animal levasse à morte, antes do tempo, o tal bezerro. Quando do
acerto de contas, o fazendeiro e o empregado discutiram, passando às vias de
fato. Inferiorizado na luta, o empregado apoderou-se de um martelo e desferiu
com ele um golpe fatal na cabeça do ex-patrão cujo sobrenome, ironia das
ironias, era Martelo.
Eis um eloqüente exemplo de
violência.
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