Isso para não falar naquela mocinha
distraída que acabou por engravidar e olhe os pais dela, gente séria a mais não
poder, a dar-lhe ordens a ela: tira essa criança! tira essa criança! tira essa
criança! E ela agüentando os nove meses daquela importunação diária até que
chegou o tal dia da dita délivrance e
olha a moça indo pra maternidade aquele barrigão na frente dela os pais é que
não lhe dariam carona à filha pecadora, que lá vai chorando e chorando desce do
dito coletivo e mais chorando ainda entra na maternidade São Caetano, onde
encontra prestimosa senhora de meia idade, ali nas vezes de enfermeira e conselheira,
a lhe dizer chore não minha filha, chore não, que eu tenho um casal de São
Paulo que está doidinho pra ter um filho e nada de a natureza lhe dar e agora
vem você com esse filho mal querido de seus pais e pode deixar por minha conta
que amanhã sem falta.
E a criança nasce e lá vem o tal
casal invadindo a pobre sala hospitalar com perfume importado e elegância a
mais não poder. E a moça fica feliz ao saber que seu amado filhinho ficará nas
mãos de gente que lhe proporcionará a ele um futuro dito radiante, coisa que
ela, dependente dos incompreensivos pais, jamais nunca que lhe poderia dar a
ele. Melhor assim, seja feita a sua vontade. E vai até o carro importado dar um
adeus sentido ao filho que lá vai no carro que se afasta agora é só tomar o
ônibus voltar pra casa, ali na Vila Gerti, e dizer aos pais, sou obediente, fiz
o que me mandaram agora não me encham mais o saco.
E ali estão os pais dela, junto ao
portão, a esperar aflitos pela volta da filha não é que pensaram muito e então.
Cadê nosso neto? cadê nosso neto? cadê nosso neto?
A pobre da moça pensou que iria
enlouquecer pagando por ter cão e pagando por não ter cachorro se é que se pode
assim falar seja tudo por conta da licença literária. E já no dia seguinte vai
o trio à dita maternidade entrevistar a tal enfermeira dizendo-lhe isto e mais
aquilo que o curador de menores não isto que o juiz de menores aquilo e a pobre
senhora que julgava estar a fazer o bem acaba muito aflita por dar a eles nome
e endereço do benemérito casal, talvez até um aqui está o telefone de casa mais
o do trabalho, e dias depois lá vão eles, não mais um trio mas um quinteto que
nada tem de violado, a criança, a mãe da criança, a enfermeira e o casal dito
adotante à procura do juiz de menores que esse sim dirá quem aqui tem razão,
homem sábio que é ouvi dizer que.
Entra na sala do sábio juiz o tal
quinteto, cada um falando ao mesmo tempo o que obriga o ponderado magistrado,
modéstia às favas, a dizer um por vez um por vez, menas a criança que inda não
fala pois se soubesse falar diria que que eu vim fazer neste mundo de doidos,
Deus meu? O juiz, que não tinha mais nada que fazer, nem processos mil para despachar
nem gente esperando na outra sala a audiência que já está atrasada ouve todos
com paciência e atenção, não fosse ele aquele um que.
A essa altura, a criança, única ali
a mostrar um mínimo de juízo, perdoado que seja o inevitável trocadilho, põe-se
a fazer exatamente aquilo que as circunstâncias exigem: começa a chorar, no
colo da enfermeira, que, neutra a mais não poder, segura o bebê à espera de que
o justíssimo magistrado decida a quem entregá-lo. A mãe, tocada pela chamada
vocação materna, pega a criança no colo e põe-se a balançar o corpo pra lá e
pra cá, como as mães todas entendem de fazer, por mais que eu desconheça o que
isso significa, parece mais coisa de barman. E, contaminada pela chorona
criança que traz agora nos seus finos braços, a mãe chora também. A enfermeira,
esta, mulher calejada e vivida, faz o que as circunstâncias convidam a fazer:
chora. Assim chora também a dupla final que, elegantíssimos e perfumados,
abraçam a mãe e a filhinha que esta traz no seu maternal colo.
E o juiz? Eu, para não destoar
daquilo tudo, nada mais tenho a fazer senão chorar também.
Vencidos os minutos necessários a
que aquele carpidimento todo se esmoreça, eu bato delicadamente palmas, para
trazer todos os presentes à ordem, que é como as circunstância exigem, law and
order! law and order! eu diria culto se conhecesse o filme da televisão, e
faço um sermão daqueles. Quer dizer que a senhorita engravidou quando não estava
ainda preparada para fazê-lo? A senhora pôs-se a decidir a quem caberia a
criança, indo além de suas enfermeirais atribuições? Vocês dois aí resolveram
então fazer uma adoção à moda da casa, pensando que este país é um? E agora
vocês todos querem que eu banque o Salomão, partindo a criança ao meio e
distribuindo metade para cada um? Nem pensar, meus caros! Nem pensar! Minha decisão está tomada: a mãe
que deu à luz é mãe e ponto final. O casal ali será o padrinho. Agora saiam da
minha sala e vão direto para o cartório registrar a criança. Feito isso vão à
igreja matriz de São Benedito, ali naquela praça mais adiante do fórum, marcar
dia do batizado, que eu quero ser convidado para ele com tubaína e sanduíche de
pão de metro. E à senhora, digo eu dirigindo-me à enfermeira em tom severo
atemorizante, fique sabendo mais o seguinte: eu no seu lugar teria feito
exatamente o mesmo que a senhora fez. E agora, fora!, fora!, fora!
(*) Do livro Menas Verdades – Causos forenses ou quase
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