Ele
poderia ter dito também que “a lei é clara”, como costuma dizer um seu colega.
Qual lei? Seria a contra pergunta.
Na
verdade, o Direito Civil cuida da chamada “responsabilidade por ato de
terceiro”, que é uma exceção à regra segundo a qual cada um responde pelos
danos que causa. De fato, uma criança ou um animal não podem ter
responsabilidade pelos atos danosos que cometem, pois o culpado são os pais ou
outro responsável pelo menor e o dono pelos atos do animal. A responsabilidade
aí decorre da “culpa in vigilando”, para voltarmos ao latim. Ou seja, o dever
que alguém tem de fiscalizar seus filhos e seus animais.
Outro
caso de responsabilidade por ato de terceiro ocorre quando a empresa é chamada
a responder por dano produzido a terceiro por seu funcionário, como ocorre nos
acidentes produzidos por ônibus.
Vamos
ao esporte. Imaginemos que um jogador de futebol, dolosamente, agride um
jogador adversário, provocando-lhe danos físicos. Pelo princípio acima
referido, o clube empregador pode ser acionado civilmente para indenizar o
jogador lesionado.
Alguém,
no entanto, não sei bem quem, inventou mais um caso de responsabilidade por ato
de terceiro: o clube responsável pelo estádio é também responsável pelos danos
causados por torcedor ali. Só torcedor desse clube ou qualquer torcedor? Eis a
primeira questão.
A
responsabilidade aí também estaria baseada na “culpa in vigilando”, pois o
clube “mandante” tem o dever de fiscalizar quem pretende entrar em suas
dependências, exatamente para prevenir abusos que possam ser cometidos por
qualquer torcedor, qualquer seja o clube de sua admiração. Logo, se um torcedor
do time “visitante” causa dano a alguém, o time “mandante” deve responder por
isso, não por causa de ser o autor pessoa ligada emocionalmente a ele, mas
porque o clube faltou a seu dever de fiscalizar devidamente o ingresso em suas
dependências.
Logo,
sob o ponto de vista jurídico, não há qualquer ligação entre o torcedor e o
time pelo qual ele diz torcer. Eu ressalvo “pelo qual ele diz torcer” para
mostrar o absurdo do entendimento segundo o qual a camisa do torcedor
responsabiliza o clube que ela representa. Imagine-se que arruaceiros italianos
entrem no campo de Camp Nou e se ponham a jogar garrafas e rojões dentro do
campo num jogo entre Barcelona e Milan. Quem será punido por essa arruaça?
Acontece que esses italianos vestem, maliciosamente, a camiseta do Barcelona.
Alguém pensaria em punir o Milan, por serem italianos os arruaceiros? E se os
tais arruaceiros fossem ingleses?
Como
se vê, “nem a lei é sempre clara” nem o “dura lex” resolve todos os problemas
jurídicos, tanto que os romanos também diziam “summum jus summa injuria”, para
significar que se a lei for aplicada sem bom senso, ela pode levar à negação do
Direito.
Para
terminar em latinório, a lei deve ser interpretada “com grano salis”. Ou seja,
com um grãozinho de bom senso.
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