“Mais de 60 mil
pessoas paralisam a avenida Paulista.” (Dos jornais)
Cacá Diegues é alguém que conhece o
país onde nasceu e onde vive. Seu filme Bye,
Bye Brasil é um registro crítico de um Brasil que muitos brasileiros
preferem não conhecer. Quando você vê o cenário de um Jardineiro Fiel, belíssimo filme que narra uma história que se
passa quase toda na África, não por acaso dirigido por outro brasileiro, você
fica impressionado ao descobrir que do outro lado do Atlântico há um segundo
Brasil. Aliás, quem já esteve no Congo ou em Angola, que correspondem àquele
pedaço de terra que o mar e o tempo retiraram da Bahia, ou vice-versa, nota que
até mesmo as palmeiras de lá se parecem com as palmeiras de cá. A areia das
praias, os negros e a pobreza são os mesmos. Veja o filme, se não viu, e
confirme isso.
Ninguém imagina que o fato de um
filme mostrar o que esses dois filmes denunciam implicará a imediata tomada de
consciência de que as coisas, cá e lá, podem e devem ser diferentes. Essa
mudança da cultura não se faz de um dia para outro. Mas isso acaba acontecendo,
para o bem ou para o mal.
A História, como o ônibus do Cacá
Diegues, é algo que vai construindo o seu caminho e sendo reparado à medida que
avança à procura dele. Pense na dificuldade de trocar os pneus com o ônibus em
movimento antes de dizer que “isso não tem mais jeito”. A pergunta é outra:
isso é fácil?
Quando você reclamar que a fila no
banco ou para entrar no cinema está muito comprida, lembre-se de que na China
não há fila. Ou não havia até as recentes Olimpíadas. As pessoas chegam lá na
frente para serem atendidas a golpes de cotoveladas. Pergunte à Maria Helena,
que queria comer um hambúrguer de carne de cachorro em Beijing, que é como
eles, ignorantes que são, chamam a cidade de Pequim. Mulheres, velhos e
crianças são derrotados nessa disputa, o que está perfeitamente de acordo com
uma cultura em que a companheira jamais anda de braço dado com o marido, mas
pelo menos um metro lá atrás. Perguntei à nossa guia como ela se sentia vendo
aquilo. E ela, doutrinada pelo machismo: “Mas isso é feito porque cabe ao homem
proteger a família”.
No livro O Livreiro de Cabul, que está esgotado nas livrarias, a jornalista norueguesa
Asne Seierstad informa, a quem interessar, o que é ser mulher nos países
islâmicos. Elas são vendidas e compradas como uma cabra ou uma porca. Imagine o
impacto disso para quem vive na Noruega, um país onde o sexo fraco é o masculino.
Você acha que no Brasil isso é muito
diferente? Pergunte às mulheres que “fizeram concessões” para obter certos
empregos ou serem promovidas e elas lhe contarão coisas interessantes. O famoso
“teste do sofá”, no qual as candidatas a emprego na televisão deveriam (ou
ainda devem?) passar, não é folclore.
Quando Mary Quant
inventou a mini-saia, foi imitada no mundo todo. Em que ano se deu isso?
Pois do lado de lá da
cortina de ferro essa moda, indecente para os donos do poder, penetrou, levada certamente
por agentes capitalistas, que pretendiam, com isso, destruir os valores morais
dos soviéticos. Coisa da CIA. Felizmente, o primeiro ministro Nikita Kruchev,
sempre alerta, fez condenar à morte dois costureiros que se atreveram a tentar
implantar a nova e inadmissível moda, que nem por isso deixou de ser ali
adotada algum tempo depois. As pessoas quiseram, as pessoas fizeram.
Quando a modelo brasileira
Rose Di Primo, acho que ainda está viva, inventou, por mero acaso, o biquíni,
foi aquele escândalo. O presidente Jânio Quadros, que, atendendo a pedido da
escritora Adelaide Carraro, havia proibido a briga de galo, pois ela, que
escrevia livros eróticos que nossos pais não permitiam que as filhas lessem,
tinha muita pena dos bichinhos, agora talvez atendendo a pedido de outra fã,
certamente de corpo menos aplaudível do que o da modelo, não deu para proibir
também o uso daquela peça indecente? Fê-lo porque qui-lo.
É nessas idas e vindas
que se constrói o que, ao fim de algum tempo, se chama cultura. É claro que
cultura é muito mais do que isso, mas isso está nela incluído.
Comecei com o Cacá e
termino voltando a ele. Qual será o maior amor do mundo?
A julgar por outro filme
do Diegues, poderemos pensar que é o amor materno. Mas, quem é a mãe, no filme?
Veja e descubra.
Em nossa linguagem
comum, falamos em “pátria mãe”, expressão aparentemente contraditória, pois,
originalmente, pátria é o local onde
estão enterrados os nossos antepassados do sexo masculino, os nossos patres.
Disse o Fernando Pessoa,
no Livro do Desassossego: “Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria
que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem
pessoalmente, mas odeio, com ódio verdadeiro, quem não sabe syntaxe, não quem
escreve em orthographia simplificada, mas a página mal escripta, a syntaxe
errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo
que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a
orthographia também é gente. A palavra é
completa vista e ouvida. E a fala da transliteração greco-romana veste-ma do
seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha”. O Caetano se apropriou da
idéia: “Eu
não tenho pátria, tenho mátria e quero frátria.”
É óbvio que
pátria é muito mais do que isso, da mesma forma como cidadania não é apenas
fazer passeata. Mas é também isso.
As palavras, como as
pessoas e as nações, são coisa viva. Formidável
é um adjetivo que abre sorriso na cara mais séria. Quem não gostaria de ser
assim chamado? Saber que é bonita, inteligente, boa praça, bacana, nota dez,
pedra noventa e tantos outros sinônimos que a palavra comporta? Para os
romanos, porém, formido era aquele
espantalho que nós pomos no milharal para afugentar os pássaros. Formidável para eles era algo que metia
medo, que espantava, que afugentava. Quando as pessoas (isto é, o povo)
resolveu mudar o sentido da palavra, ninguém segurou.
Que tal se fizéssemos hoje
o mesmo que os nossos ascendentes fizeram outrora? Se pegássemos o nosso
formidável país da corrupção e o transformássemos em um país realmente formidável?
O sentido da palavra lá
e cá fica por tua conta.
Estou cá a me lembrar de ti, quando leste não sei que autor que disse que somos levados a sermos originais. E,a fazermos passeatas também? Ou estaríamos nos espelhando na Revolução Francesa???? ou em qualquer outra revolta? Agora, será que o resultado final será originallllll????
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