“A aprovação, na última
terça-feira, de uma proposta que permite a psicólogos tratar a
homossexualidade como doença abriu o caminho para que gays, lésbicas e
transexuais peçam aposentadoria compulsória por invalidez, na avaliação de
ativistas homossexuais.” (Dos jornais)
Que é normalidade?
Tenho um respeito muito grande pelas
pessoas que chamamos “anormais”, pois normais somos quem se acha no direito
de apodá-los assim, tal como ironizou Machado de Assis no sempre citado O
Alienista. Tenho respeito especial pelos perturbados mentais, talvez porque
tenha conhecido, há tantos lustros, os tormentos da síndrome do pânico, essa doença elitista que já atormentou gente
muito mais importante do que eu. Até o divertido Mário Prata, que não me
deixa mentir. Quando se enamorou de uma bela cantora portuguesa, lá se foi
ele de mala e bagagem para a santa terrinha dela. Bateu-lhe o pânico e ele
veio correndo para o solo materno. Tempos depois descreveu, com humor, os
conselhos que os pretensos amigos lhe deram para sair daquilo. Alguns diziam
que aquilo era excesso de mulheres em sua vida; outros diziam que era
carência de mulher. Uns diziam que ele estava bebendo muito; outros
recomendavam um porre.
Alguns atores e atrizes que você
não mais vê na tela ou no palco devem essas férias forçadas ao angustiante
pânico, que vem a partir de nada, racionalmente falando. De repente, a pessoa
se convence de que aquele satélite espacial que os jornais dizem que se está
desintegrando vai cair na cabeça dela. E por mais que os amigos argumentem
que isso não tem lógica, a pobre senhora respondia com toda lógica: que ele vai cair na Terra todos garantem
que vai; pode cair no mar ou em terra firme; quem garante que esse lugar em
terra firme não é justamente aquele local em que eu vou estar quando isso
ocorrer. “Bem, quer dizer.” Viu
como eu tenho razão?
Também conheci as não menos
tormentosas noites infindáveis da depressão, que um filme delicado retrata à
perfeição. A fotografia e a música de As
Horas, com interpretações magníficas de três atrizes de primeira
grandeza, mostram que aquilo é mais do que apenas uma homenagem a Virgínia
Wolf, uma dentre tantos escritores atormentados por seus demônios interiores,
que a escrita não conseguiu exorcizar completamente, mas uma autêntica moção de respeito a todos os que conheceram
esse terrível caminho em direção às trevas, como disse um deles, o escritor
William Styron, autor do emocionante livro Escolha de Sofia, que, transformado em filme, tem, coincidentemente,
como atriz principal uma das três a que me referi acima, a extraordinária Meryl
Streep.
O fato real é que, em 1941, em uma crise de depressão profunda, Virgínia,
tal como se mostra no filme, encheu os bolsos da roupa com pedras e entrou no
rio que passava perto de sua casa, para afogar os seus fantasmas, e de lá não
retornou viva.
Aliás, Mercedes Sosa
imortalizou o drama da escritora e poetisa Alfonsina Storni, que, em 1938. fez algo
semelhante: portadora de uma doença atormentante, avançou mar adentro. Diz a
belíssima canção de Ariel Ramirez e Felix Luna, cuja letra
fala bem do peso que carregam pessoas que costumamos chamar de “anormais”:
Por la
blanda arena que lame el mar
su pequeña huella no vuelve mas. Un sendero solo de pena y silencio llegó hasta el agua profunda. Un sendero solo de penas mudas llegó hasta la espuma.
Sabe Diós
que angustia te acompañó,
que dolores viejos calló tu voz para recostarte arrullada en el canto de las caracolas marinas la canción que canta en el fondo oscuro del mar la caracola.
Te vas Alfonsina con tu soledad.
Que poemas nuevos fuiste a buscar? Una voz antigua de viento y de sal te requiebra el alma y la está llevando. Y te vas hacia allá como en sueños, dormida, Alfonsina, vestida de mar.
Cinco
sirenitas te llevarán
por caminos de algas y de coral y fosforescentes caballos marinos harán una ronda a tu lado. Y los habitantes del agua van a jugar pronto a tu lado.
Bájame la
lámpara un poco mas.
Déjame que duerma nodriza en paz. Y si llama él no le digas que estoy. Dile que Alfonsina no vuelve. Y si llama él no le digas nunca que estoy, di que me he ido.
Te vas
Alfonsina con tu soledad.
Que poemas nuevos fuiste a buscar? Una voz antigua de viento y de sal te requiebra el alma y la está llevando. Y te vas hacia allá como en sueños, dormida, Alfonsina, vestida de mar.
Em todas as cidades sempre há um louquinho, como o Zé do Arquinho, em
Nova Granada, onde judiquei. Passando diante da janela de meu escritório, na
casa onde ele sabia que eu morava, me mostrava as duas mãos espalmadas e os
oito dedos cruzados quatro a quatro, a significar a cela para onde eu estaria
mandando algum réu. Era atencioso com todos. Alguém que ainda não o conhecia
estava a manobrar o automóvel e ele, solícito: “vem!, vem!, vem!”. Até que o confiante motorista, sempre indo em
ré, bateu seu automóvel no carro estacionado atrás dele. “Vem que bate!” disse agora o doido, dando pulos e batendo palmas
de satisfação.
No bairro em que moro há um que
carrega no carrinho de feira pacotes e mais pacotes. Tudo lixo. Como reside
na rua, aquilo parece coisa de Sísifo. Pergunto-lhe o que traz naquele
carrinho e ele desconversa, preferindo falar do telefonema que irá dar ao
Prefeito, para que mande limpar aquela rua, que está muito suja, onde já se
viu um desmazelo desses, o senhor não acha? O que ele arrasta para cima e
para baixo é o seu segredo e o seu tesouro.
Conheço um outro personagem, que
todos os conhecidos reputam lúcido, e que pagou uma fortuna por um quadro
pintado por alguém famoso. Deixa-o, porém, guardado no cofre forte de um
banco, pois se pendurar na parede da sala ou do escritório, poderão roubá-lo.
Qual a diferença entre esses dois doidos?
Minha sogra apresentou durante muitos
anos um quadro de demência, que alguém já diagnosticou com nome pomposo: Mal
de Alzheimer. Um jovem psiquiatra, muito prático, foi curto e grosso: para
saber se realmente isso é um autêntico Alzheimer, eu teria de submetê-la a muitos
exame e testes. Será necessário? É claro que não. O que importa é que ela não
tem memória para fatos presentes. Se você viu o filme Procurando
Nemo, lembra-se daquela simpática peixinha que vivia perguntando vezes
e vezes a mesma coisa ao pobre pai do Nemo, este também um ser apresentava um
defeito, este físico, numa das nadadeiras, o que mostra a sensibilidade do
diretor do desenho animado, a falar de coisas que muitas pessoas preferem
esconder. Pois aquela simpática peixinha deve ter sido inspirada na dona
Adélia, que fazia a mesma pergunta vezes e vezes, irritando quem, achando-se
pessoa normal, é incapaz de entender uma coisa tão simples: a memória daquela
octogenária não tem mais espaço para armazenar mais nada. Não é assim com o
computador?
Meu interesse por pessoas desse
tipo me levava a fazer com minha sogra algumas experiências, o que me obrigava
a entrar no mundo dela, até porque ela não tinha condição de vir até o meu. Quem
desconhecesse meu real propósito, pode ver nisso um exercício de sadismo. Paciência!
Em um jantar de fim de ano que
celebramos com o casal de velhos em um restaurante da cidade, fazia parte da
refeição uma taça de champanhe, como é de praxe. “Que é isso?“ ela me
pergunta. “É guaraná” digo a ela, que leva a taça à boca e toma um gole. Faz
uma careta e me chama de mentiroso. Menos de dois minutos depois ela faz a
mesma pergunta e eu lhe dou a mesma resposta. Ela leva a taça à boca, toma um
gole, faz uma careta e novamente me xinga. Essa maluquice repete-se cinco,
seis vezes e eu tentando saber quanto da experiência desagradável poderia
produzir, pavlovianamente, um desbloqueio naquele cérebro. Inútil. Se eu não
resolvo afastar a taça, aquilo se repetiria interminavelmente a noite toda,
para desencanto do cientista russo e meu.
Por vezes faço uma de minhas
especialidades sonoras: eu imitava Orlando Silva ou Nélson Gonçalves, pois
ela gostava muito de música. Dizem que ela tocava piano muito bem quando era
moça e parecia a Elizabeth Taylor, Veja só.
“Boemia,
aqui me tens de
regresso,
e, suplicante, te
peço...”
canto
eu. E dona Adélia, no mesmo tom e no mesmo ritmo:
.. a minha nova
inscrição.”
Não apenas pessoas com alterações
psíquicas me chamam a atenção e despertam minha compaixão. Impressionou-me,
por exemplo, uma lúcida jovem que, em razão de suas características pessoais, vive nas
dependências do Hospital das Clínicas de São Paulo. Seu trabalho é algo para
ser visto e aplaudido.
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Depois que vi a Eliana pintando,
simplesmente aposentei meus pincéis.
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