“A verdade não só é muito mais incrível do
que a ficção como é muito mais difícil de inventar.” Millôr Fernandes
Que é a verdade? Dentre outras
definições possíveis, gosto desta: é a conformidade perfeita entre um fato ou
objeto e sua representação mental. Os antigos diziam, por isso, que nihil est in intellectu quod non prius in
sensibus. Em linguagem de vivos: para que algo chegue à nossa mente,
deve antes passar pelos nossos sentidos.
É aí que a porca torce o rabo, pois
nossos sentidos nem sempre são dignos de muita confiança, a começar pela visão.
Cada leitor tem casos e mais casos para contar sobre as inúmeras vezes em que
“tomou a nuvem por Juno”, como diziam meus avós. A bolorenta frase refere-se ao
fato de as nuvens formarem figuras, que nossa imaginação vai batizando. Aquilo
que para uns é um coelho, para outros talvez seja um canguru. E quando chamamos
um terceiro para desempatar, a nuvem já virou outra coisa.
Talvez tenha sido a partir de uma
experiência dessas que o psicanalista suíço Hermann Rorschach desenvolveu seus estudos no sentido
de estabelecer a relação entre imagens captadas por nossos olhos e o
significado psicológico da denominação que damos a elas. Suas tábuas, com manchas
coloridas e em preto-e-branco têm sido objeto de estudo e de crítica, até
porque a morte precoce do suíço, antes dos 40 anos, não lhe permitiu,
certamente, desenvolver seu trabalho.
As pessoas privadas de visão dizem
que, na ausência dela, os demais sentidos ficam mais aguçados. Já falei sobre
isso e não preciso voltar ao tema.
O filme Dúvida,
uma peça de teatro filmada e indicado ao Oscar, especialmente pela
interpretação do quarteto central de atores, coisa rara de acontecer, trabalha
esse tema: pode-se chegar à verdade por meio da mentira?
Aliás, o próprio cinema é uma
mentira: imagens exibidas sucessivamente, à razão de 24 por segundo, dão-nos a
impressão de que algo se movimenta, tanto que, quando o primeiro filme foi
exibido, mostrando um trem que chegava à estação e vinha na direção dos
espectadores, muitos deles fugiram.
É curioso como a mentira é
contagiante. Lembro do caso de uma brasileira, que vivia no Exterior e se declarou
vítima de maus tratos cometidos por xenófobos, que lhe teriam escrito um
palavra na coxa com um estilete. O nosso então presidente oficial, que não
prima pela continência verbal, saiu a campo para defender a pretensa vítima.
Nosso ministro das Relações Exteriores da época, homem sabidamente escolado,
caiu no conto do vigário e extrapolou em críticas inadequadas a quem ocupa tal
cargo. Curiosamente, ninguém por aqui se preocupou com alguns aspectos bizarros
da coisa. Em primeiro lugar, a agressão se teria passado em local público, em
pleno dia, não tendo sido visto por ninguém. Em segundo lugar, os riscos
produzidos com estilete no corpo da jovem (todos eles na parte dianteira do corpo)
eram todos superficiais, sugerindo extrema calma por parte do seu autor. Por
fim, quem se dispusesse a virar a foto de cabeça para baixo notaria que a letra
“S” está de cabeça para baixo em ambas as pernas, o que sugere auto-mutilação.
Por que nenhum de nós notou nada disso? Talvez porque temos a tendência de ver
o que queremos ver.
O assunto, nas lides forenses,
sempre vem a baila, pois a certeza do juiz deve fazer-se a partir de provas,
não bastando meros indícios. Beyond a
reasonable doubt, como dizem eles lá em cima. Ocorre que uma dúvida que não
é razoável para uns será, possivelmente, razoável para outros. Tanto que há os
votos vencidos. Certo, Lewandowski?
O Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais vem de encarregar-me, um cinéfilo confesso, de elaborar a exibição um
ciclo de filmes sobre o tema “A Justiça e o Cinema”. Estou vasculhando os sebos
à procura de obras raras sobre o tema, que acrescentarei aos DVDs que já
possuo, como “Sobre Meninos e Lobos”, do Clint Eastwood, “Conduta de Risco”, do
Tony Gilroy, “A Sombra de uma Dúvida”, do Alfred Hitchcock, “Rashomon”, do
Akira Kurosawa, “Anatomia de um Crime”, do Otto Preminger, “A Vida de David
Parker”, de Alan Parker, “Justiça para Todos”, do Norman Jewson, “Mephisto”, do
István Szabó, “12 Homens e uma Sentença”, do Sydney Lumet, “O Homem Errado”, do
Alfred Hitchcock, “Os Infiltrados”, do Martin Scorsese “Crimes e Pecados”, do Woody Allen.
Creio ser uma excelente ideia, mesmo
considerando a existência de algumas diferenças entre nossos costumes e os dos
norte-americanos, pois lá, como sabido, lugar de criminoso costuma ser a
cadeia. E o tempo da pena foi estabelecido para ser cumprido.
Aceito sugestões, desde que se
refiram a filmes disponíveis no mercado.
Querido Adauto, sugiro Testemunha de Acusação, um show de Charles Laughton e Marlene Dietrich. A segunda versão de 12 Homens e uma Sentença, embora não seja da mesma dimensão da primeira, vale por Lemon e Scott.
ResponderExcluirAbraços
Há vários filmes interessantes sobre o assunto. O recente norueguês "A Caça" ou "Jagten" (http://www.youtube.com/watch?v=I0GVptVA4W8) e a comédia “Il Monstro” de Roberto Beningni (http://www.youtube.com/watch?v=CE9h4jkNYoI) versam diretamente sobre o assunto. Mas, na minha pretensiosa opinião, há filmes mais interessantes ainda, sobre a construção da realidade. Há uma animação chamada “Monstros S.A.” de 2001, aparentemente feita para crianças, mas que trata de um tema muito sério: a fabricação de monstros pela sociedade (http://www.youtube.com/watch?v=iRh2kF-1X2E). Há o filme “A Vila” de 2004, que trata do uso da mentira como instrumento de opressão (http://www.youtube.com/watch?v=PYKUkrqAjl0); O recente “Oblivion” na mesma linha (http://www.youtube.com/watch?v=FjBfhsUsBZE); assim como The Matrix (http://www.youtube.com/watch?v=Jgt2QVSxzEw); e até o clássico Blow Up (1966) (http://www.youtube.com/watch?v=f31mj_afO4w).
ResponderExcluir... segundo me informa o sócio e filho Cláudio, que você ainda não conhece, ... entra nesse rol, ... 'As duas faces de lei', ... e aqui, do garrão da pátria, ... um tal de " Neto e o Domador" com roteiro de Tabajara Ruas, que conta a história da lenda gaúcha, ... 'Negrinho do Pastoreio", ... grande abraço! E feliz tropeada, ... Cleanto
ResponderExcluir... melhor, ... 'As duas faces de um crime', ...
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