18 março 2010

Adeus, menina


Desde criança ela apresentava deficiência respiratória, que os médicos diagnosticaram e batizaram de um nome complicado, com uma advertência à família: doença incurável. Prognóstico: poucos anos de vida. Quantos? Só Deus sabe, não fosse a mãe a mulher de fé adulta que sempre foi.

Entre crises de tosse e sorriso angelical no rosto, lá foi ela vivendo a vida disponível, até graduar-se. Foi cuidar de crianças. Quem não a conhecesse suporia ser uma criança brincando com crianças menores do que ela. E sempre sorrindo, incapaz de comentar suas dificuldades respiratórias.

Levando vida normal, tanto quanto possível, conheceu um jovem médico, com quem veio a casar-se, produzindo o casal um belo filho, absolutamente saudável, como assegurara o pai ser possível, ante os compreensíveis temores da jovem esposa.

Para quem não chegaria aos 20, aquela jovem mãe viu seu filho completar seus 8 anos. É claro que agora seu estado de saúde piorava sensivelmente, a ponto de incluir-se ela numa fila de transplante de pulmões, coisa difícil de obter, pois, embora adulta, tinha ela compleição física inferior àquela própria de sua idade.

O avanço da doença agora era num ritmo assustador, exigindo reiteradas internações hospitalares, que prenunciavam o pior. O depauperamento tornara-se tal que, quando apareceram os esperados pulmões correspondentes a seu tipo físico, o médico recusou-se a tentar o implante. Ela não tinha condições de suportar uma cirurgia de 18 horas. Seria um sacrifício inútil a ser imposto a ela e um óbvio desperdício do material que poderia salvar a vida de outra pessoa.

O marido, agindo mais como o esposo amoroso que sempre foi do que como o médico sereno que todos nele reconheciam, desmandou-se e interpelou em termos ácidos seu colega. Sabia, porém, que nada mais havia a fazer, como veio finalmente a reconhecer. “Mas, que é a morte senão o portal que nos leva a uma vida mais plena?” há de ter-lhe indagado a cristianíssima sogra, que ele carinhosamente chamava de mãe.

Assim partiu a Paulinha, anjo de asas douradas, que a levaram para junto dos seus, de onde viera por tão breve tempo apenas para ensinar-nos o que é a vontade de viver.

Uma flor a menos no carente jardim deste mundo.

8 comentários:

  1. Tudo é possível, mas a hora é a hora..
    Viveu plenamente...e foi a flor crescer em outros ares desse Universo e bem...

    Comove, emociona...
    abs Adauto

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  2. Há os que dizem que o valor está na intensidade do momento vivido e não na quantidade do tempo medido ... creio que é por aí que se deve interpretar o conteúdo do texto . abraço !

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  3. Comevente realmente !

    Uma flor a menos no carente jardim deste mundo, e uma estrelinha a mais a perpetuar a luz do quintal de Deus...

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  4. Precisamos de gente assim: que saiba viver plenamente cada instante, com serenidade, para legados como esse se multipliquem.

    Tal como viveu, "subiu para o andar de cima" - para sermos congruentes com nossa crença.

    Morrer bem e bem com a vida é para poucos!

    Quanto

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  5. Amigo Adauto. Esse conto veio confortar-me após o retorno de minha mãe, Adelita,ao plano espiritual no dia 16 de março último.

    Aos 22 anos, tuberculosa, precisou submeter-se a uma cirurgia que extirpou-lhe a maior parte de um dos pulmões. Os médicos não lhe deram mais do que alguns meses ou anos de vida. Viveu até os 85 anos, deixando 4 filhos, netos, bisnetos e muitos amigos.

    Ailton B. Brandão

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  6. Uma história comovente. Agora brota uma flor no jardim do firmamento. Paz e bem.

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