17 maio 2011

A lei da vida


O Joseph Campbell dizia que a vida alimenta-se da vida. De certa forma, foi ele quem me inspirou esta pensata, digo desde logo. Em livro recente, falo da diferença entre agressividade e violência. “Mesmo não nos empolgando uma visão excessivamente fisiológica das reações humanas, é certo que, da mesma forma como a planta arrostará todos os obstáculos, até o limite, para sobreviver, assim também os animais criarão coragem extrema quando se trata de zelar pela prole, maior ainda do que ao cuidar da própria manutenção, pois a perpetuação da espécie é mais importante do que a manutenção da vida de um simples exemplar. Nessas situações alguns autores vêm a presença de uma força que se poderia chamar de agressividade. Sob tal ótica, o peixe maior que come os gerinos, a garça que come o peixe ou a onça que come a garça não estão sendo violentos, mas apenas agressivos, no sentido de que destroem para sobreviver. E, sobrevivendo, mantêm a espécie. Essa pulsão vital é, pois, absolutamente natural, tanto quanto o medo, que faz o animal mais fraco fugir, prudentemente, do animal mais forte, a menos que se trate de um animal racional, quando o medo de parecer covarde tem levado muitos deles, por imprudência, à morte ou ao crime. Já o homem, que mata aquela onça pelo simples prazer de caçar, não está sendo agressivo, mas violento. Enquanto a agressividade deve ser considerada construtiva, pois se refere à manutenção da vida, a violência é negativa, pois se relaciona à destrutividade, algo específico do ser humano."

A opção por essas denominações (agressividade lá, violência aqui) pode desagradar os leitores, tendo-as por arbitrárias, pois talvez prefiram que se fale em “pulsões”. Mas, ao menos para os efeitos restritos de minha pensata, eu gostaria de mantê-las, para que eu possa melhor expor meu pensamento.

O ser humano apresenta inúmeras condutas nas quais se pode ver a presença da agressividade, especialmente em uma sociedade altamente competitiva como a que conhecemos hoje. No campo dos esportes - eles mesmos uma sublimação cultural de tendências primitivas - essa presença é marcante. Tais atividades lidam com uma tendência absolutamente natural: a agressividade humana.

Saio do livro para falar de uma situação concreta. Eu estava numa chácara, onde havia um pasto com animais, à beira de um rio. Eu passeava por ali quando vi uma vaca parir um bezerrinho, experiência rara para alguém que se criou na cidade. Logo que nascido, o bezerro foi lambido pela mãe, uma conhecida forma de batismo, pois estabelece a relação mãe/filho. Embevecido com a cena quase não percebi que acima de minha cabeça um bando de urubus descrevia uma dança soturna, girando em círculo. O centro do círculo correspondia ao local onde estavam mãe e filha. Eu havia aprendido com o João do Vale que aquilo não iria terminar bem.

Não deu outra. Meia dúzia de urubus aterrissou e eles fizeram um círculo em torno da vaca e seu recém-nascido filho. A estratégia era simples: enquanto a vaca investia contra um dos urubus, os demais apertavam o círculo. Num descuido da vaca um deles recolheria o burrego. Muni-me de uma vara e tomei o partido da vaca, tentando espantar os urubus do lado de cá, enquanto ela avançava do lado de lá. É claro que a vaca me tomou por mais um inimigo e, a todo galope investia também contra mim, que tinha de desviar-me dela e correr para espantar os urubus do lado oposto. Antes que eu e a vaca nos esgotássemos, berrei e mandei um garoto que por lá apareceu buscar o dono das reses, vizinho da chácara onde eu estava hospedado. Ele trouxe dois empregados, puseram mãe e filho na camioneta e concluí que minha boa ação não foi em vão.

Eis um eloqüente exemplo de agressividade.

Algum tempo depois, o tal vizinho despediu um daqueles empregados que, com ele, haviam evitado que a agressividade animal levasse à morte, antes do tempo, o tal bezerro. Quando do acerto de contas, o fazendeiro e o empregado discutiram, passando às vias de fato. Inferiorizado na luta, o empregado apoderou-se de um martelo e desferiu com ele um golpe fatal na cabeça do ex-patrão cujo sobrenome, ironia das ironias, era Martelo.

Eis um eloqüente exemplo de violência.

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