06 fevereiro 2012

Como diria madame


À Thais

“μανθάνει μόνον τος φιλοσόφοις διστον λλ κα τος λλοις μοίως, λλ π βραχ κοινωνοσιν ατο"(*)

Alô? Sim, eu sou ela. Como? É ela quem está falando, logo ela é eu. Oi, querida. Como está você? Não reconheci tua voz. Você deve estar cafônica. Sim? Cuidado com isso, que pode virar uma peneu mania. Há quanto tempo, não?
Eu também tenho dificuldade em aceitar esses modernismos. Confesso-lhe que ainda não sei se chamo a companheira de minha filha de minha nora ou minha genra. Meu personal trailer diz que tudo é uma questã de hábito. Havendo habitação, mais dia menos dia os bícepes casam-se com as trícepes e todos serão felizes para sempre, parentesco à parte. Ele me disse também que deu toddy não sei pra quem, que havia tido um esfriamento muscular, mas isso foi considerado drops e quase lhe calçaram a habilidade para continuar na sua profissão. Bem que o pai dele, que é almirante de navio, avisou que esses produtos importados do exterior são muito prejudiciais à saúde dos atletas. Mas, quem houve os pais e as mães nos dias e nas noites de hoje? Diga: quem?
O gerente do meu praime diz a mesma coisa no que conserve aos filhos dele. A filha dele, por exemplo, fez uma aplicação em Rarvard, ganhou um diploma de relações exteriores e um bebê que chora em inglês. Juros por juros ela poderia ter feito relações interiores e casar com um plantador de soja de Mato Grosso, diz ele. Pelo menos teria uma ou duas baby sisters para tomar conta da criança, coisa que na Europa são naves raras. Concorda?
Meu primo Eugênio, que, na verdade, não é meu primo, mas meu filho mais velho, como eu teimo em dizer ao pai dele, que é metido a sabe chão, é um encarpetado. Mesmo sendo baixinho, o Júnior, que tem o mesmo nome do pai,  com o Júnior a mais de acréssimo, ele é um peralto, saiba você. Outro dia, depois de ter assistido um filme de fricção científica na seção da tarde, pintou as alfaces com mercúrio cromo, dizendo que tinha tido um ataque de ermorróida. Pode?
Se eu vou na igreja? Pelo menos uma vez por semana procuro o padre nosso para confessar meus pecados, sejam eles capitais ou interiores. Sem isso, não tenho coragem de abrir a boca, na missa do domingo, para receber a santa eucarestia. Deus me livre de ir parar nas pro fundas do inferno, logo eu, que detesto calor. Ainda se lá tivesse ar acondicionado, como no nosso apê em Palm Bitch, que tem um calor senigualesco, vá lá, mas o padre Vigário me disse para tirar o cavalo da chuva, logo eu que nem cavalo tenho. Em matéria de gado, nossa fazenda tem apenas bovinos e ovinos, como diz meu marido, muito embora as galinhas sejam de pouca montaria. Gado vaquino tem só meia dúzia, que é para fornecer leite aos colonizadores, que são pessoas muito reforçadas. Eles fazem esforços sobre os manos para sobreviver e as proles deles demoram muito para crescer e ajudar na fanha diária.
De política? Quero distância. Meu marido não. Lembra dele, não? Era nosso colega de classe, quase não engordou, ficou crizálido e parecido com o Jorge Closet. Ele gosta muito de política e da presidenta, até porque a empresa dele nunca fraturou tanto como agora. Ele é muito patriota. Cada vez que cai um político ele corre pra saber o nome de todos os envolvidos nas facas tuas, como ele diz. Termina de ler e dá um suspiro de patriotismo. Só que se confunde com o nome dela, quando bebe um pouco. Ele é chegado numa manguaça. Fazia dupla lá com o outro, sabe quem é, não sabe? Nessas ocasiões ele chama ela de Cândida Vagareza e toda turma na mesa racham o bico de rir.
É claro que tudo isso é provocação, amiga. Resolvi fazer um curso de pós-graduação em lingüística e escolhi como tema a linguagem plebéia do Brasil. E venho treinando com os amigos. Uns demoram mais, outros menos para perceber a coisa. Pior é quando sugerem que seja Alzheimer. Como você sabe, nossa linguagem, mesmo a culta, não passa de um latim mal falado, resultado do contato dos soldados romanos com os povos bárbaros por eles conquistados. Daí a língua veio para o Novo Mundo e deu nisso que aí está.
Como se sentiria nossa presidenta se alguém se dirigisse a ela chamando-a de “Você”? Desrespeito? Mas isso é abreviatura de Vossa Senhoria ou de Vossa Mercê, tratamento de luxo. Dia chegará em que ela será chamada de “Exma”, abreviatura de Excelentíssima (pessoa muito excelente). Para não dizer “Ilma”, abreviatura de Ilustríssima, além de trocadilho.
Aliás, o nosso Houaiss, em seu festejado dicionário, fala em “tabuísmo”, palavra que não aparece no Aurélio. Sabe o que é isso? Ele faz preceder dessa classificação aquelas palavras chulas, popularmente designadas “palavrões”, como “merda”, por exemplo. Houve tempo em que pessoas “de berço” não utilizavam chulices em seu discurso social. As emissoras de rádio e de televisão bloqueavam o som delas, quando saíam inadvertidamente (durante uma partida de futebol, por exemplo). Hoje, temos treinador dizendo isto e mais aquilo diante daquele painel de patrocinadores. E todos aceitamos isso com normalidade. É o progresso, dizem.
A palavra “caralho”, por exemplo, além de referir-se vulgarmente ao pênis, tem, segundo mestre Houaiss, vários empregos. É interjeição demonstrativa de entusiasmo (“Caralho, que maravilha!”), de indignação (“Saia daí, caralho!”), além de expressar grande quantidade, que os antigos expressavam por “à beça” (“Veio gente pra caralho”).
Na Espanha, de onde nos veio a palavra, não é diferente. Segundo o dicionário da Real Academia espanhola, a palavra “denota enfado o rechazo (“Al carajo el informe.”), expresa disgusto, rechazo, sorpresa o asombro (“Del carajo.”), algo muy grande o intenso (“Un susto, un frío del carajo.”), no importarle nada (“Irse algo al carajo.”), echarse a perder, tener mal fin (“Mandar a alguien al carajo.”), rechazarlo con insolencia y desdén (“Qué carajo!”), denota negación, decisión o contrariedad (“Un carajo.”), ninguna cosa (“No entiendes un carajo.”), algo para ponderar (“Cuesta un carajo.”).
Pois é, amiga, vou ter trabalho pra chuchu.


(*) "Aprender é a maior felicidade do filósofo, e dos outros homens também, embora não da mesma maneira" (Aristóteles, Poética, Cap. IV, 4)

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