09 março 2012

Curiosidade infantil


Vergonha é um pano preto que você quer para se cobrir naquela hora. Certeza é quando a idéia cansa de procurar e para.” (Adriana Falcão, Mania de Explicação)

- Que que é isto, mãe?
- Ai, Jesus. Onde você pegou isso, menino?
- Na última gaveta da escrivaninha do papai.
- E o que você tinha de ir mexer na gaveta da escrivaninha do teu pai, Quinzinho? Você não sabe que ele não gosta dessas intimidades?
- Eu precisava de uma borracha pra apagar o desenho que eu estava fazendo para a lição da escola e não achei a minha.
- E quem lhe disse que havia borracha na gaveta da escrivaninha do teu pai, menino?
- Vai me dizer que o papai não erra quando ele faz os desenhos dele? Só eu?
- E quem te disse que teu pai faz desenhos?
- E o que ele faz quando fica atrás da mesa mexendo numas folhas de papel um tempão enorme? Aviãozinho é que não é.
- Isso não é de tua conta, moleque. Coloque isso de volta no envelope e reponha onde estava, antes que teu pai chegue.
- E quem te disse que isso veio dentro de um envelope? Foi o carteiro que entregou?
- Chega de embromação, seu Joaquim. Você sabe muito bem o que acontece quando eu perco a paciência, não sabe? Então faça já o que estou mandando
- Mas você não precisa perder a paciência. É só me explicar para que serve isto. Diz: pra que serve?
- Pare de assoprar isso, menino! Pare com isso! Dê isso aqui! Pare de assoprar eu já disse.
- Mas não é para eu colocar de volta na última gaveta da escrivaninha do papai? Então eu não posso devolver.
- É para você preparar a bunda para uma surra inesquecível, seu respondão. É a última vez que eu te mando levar isso de volta para a gaveta de onde você tirou.
- Se eu te entrego eu não vou poder repor na gaveta da escrivaninha do papai, concorda?
- Chega, Joaquim. Chega! Você me mata de vergonha.
- Vergonha de que? Não foram vocês que me disseram para eu perguntar quando não souber alguma coisa? Pois eu estou perguntando: o que é isso na minha mão? Para que serve? Se você não souber responder eu pergunto amanhã à dona Clotilde. Ela sabe tudo e responde a todas as perguntas que os alunos fazem, sem sentir vergonha.
- Nem pensar numa coisa dessas. Isso não sai desta casa nem que eu tenha de trancar a porta da frente e engolir a chave.
- E como você vai abrir a porta quando o papai chegar? Será que antes disso a chave já saiu de você?
- Positivamente, você tirou o dia para tirar a minha paciência, com uma pergunta mais idiota do que a outra. Chega, Joaquim. Cê agá e. Che-ga!
- Afinal de contas você sabe ou não sabe para que serve isto?
- Sei mas não te conto, pronto.
- Não é você que vive dizendo que não se deve ser egoísta? Se sabe, por que não me conta?
- Porque eu não quero. Eis o motivo: eu não quero.
- Tudo bem. Amanhã é quarta-feira, dia da visita da vovó Ana e eu pergunto pra ela. Aposto que ela sabe.
- Nem pensar, Quinzinho, nem pensar. Você quer matar minha mãe do coração? O que ela vai pensar se você fizer essa pergunta a ela?
- Ela vai pensar que você não está ensinando ao neto dela aquilo que ele quer saber. Só isso.
- Está bem. Está bem. Vamos fazer uma negociação, como diz o seu pai que faz com os operários da fábrica quando eles fazem greve. Fazemos nós dois uma negociação. Topa?
- Mas eu não estou de braços cruzados, estou? Não estou fazendo greve. Estou? Ao contrário, estou há meia hora querendo saber o que é isto na minha mão e para que serve.
- Escute, Quim. É uma comparação. O que estou querendo dizer é que nem sempre nós conquistamos aquilo que desejamos. Um operário quer um aumento de 15% e, com uma boa negociação, a empresa fecha acordo por 10%. Ou concede outro tipo de benefício, para por fim na greve.
- E para quanto você vai aumentar a minha mesada?
- Eu não estou falando em dinheiro, garoto. O acordo pode ser de outro tipo. 
- Nem pensar, como diz você, mami. Não foi o papi que disse que numa negociação nós devemos levar em conta as cartas que o adversário tem na manga? Somos adversários, não somos?
- Sabe o que os guardas da empresa fazem quando os operários não são razoáveis?
- Que é isso?
- Já disse que não vou dizer.
- Eu perguntei o que é “razoáveis”.
- Esquece, Quim. Esquece. Mais dez minutos e teu pai vai chegar e vocês que se entendam. Eu desisto.
- Pois fique sabendo a senhora que eu estou careca de saber o que é isto e para que serve. Minha namorada me explicou tudinho. Eu estava só tirando um sarro com a tua cara.
- Quinzinho!
- E a Estelinha até me demonstrou como se coloca. Senta aí que eu te conto tudo.

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