05 abril 2012

Juízo, juízes


“Enteada do Ministro Gilmar Mendes ocupa cargo de confiança no gabinete do senador Demóstenes Torres.” (Dos jornais)

Nossa tendência sempre é dizer que certos comportamentos só ocorrem no Brasil. Por exemplo, nunca antes neste país, como costuma dizer certo demagogo, o Poder Judiciário esteve em tamanha evidência como hoje. Mudou o Natal ou mudei eu? É evidente que isso se deve principalmente a um fato novo, digno de encômios: a consciência da nossa sociedade de que os juízes não são anjos nem seres superiores, imunes ao pecado. Se, como dizem eles, ubi homo ibi peccatum, insta que a sociedade esteja aparelhada para punir os pecadores, pena de trazer o descrédito aos cidadãos, negando, no limite, a própria razão de ser da Magistratura.


Cito o caso de certo presidente do nosso tribunal, que era homem de bem e de postura paternal em relação aos juízes, para ilustrar isso. Um amigo de infância, dono de uma grande fábrica de calçados na cidade natal de ambos, enviava-lhe constantemente caixas e caixas de sapatos, por mais que ele lhe pedisse que não o fizesse. Para não comprometer a amizade, ele as recebia e mandava guardar num armário do seu gabinete. Quando ali entrava um juiz, ele o media bem e indagava que número de sapato ele calçava. Diante da resposta do espantado juiz, ele mandava que ele abrisse o armário e escolhesse um par. Levado pela liberdade que ele concedia aos magistrados, perguntei-lhe certa ocasião até quando iria ser mantida essa imoral “disponibilidade com vencimentos parciais” com que eram e ainda são brindados magistrados que se mostram indignos do cargo e não têm tempo de serviço suficiente para aposentar-se. A explicação dele foi inacreditável: “A família dele não tem culpa.” Insisti, dizendo-lhe que quase todos os réus que nós mandamos para a cadeia também têm família. E ele, mais inacreditavelmente ainda: “Mas essas nós não conhecemos”.


Alguns causos que me pareciam dignos de registro coloquei-os no livro "Menas verdades". Tenho material para um segundo volume.


Temos agora um novo motivo de perplexidade, vindo de nossa Magna Corte, que talvez não seja tão magna assim. Certo membro daquela Casa ainda não decidiu, segundo dizem os jornais, se vai dar-se por impedido ou não para julgar rumorosíssimo caso no qual sua namorada de muitos anos, que é advogada, atuou até 2009. Ora, se ela não mais atua no caso, não há problema ético algum. A dúvida do ministro certamente se deve ao sadio policiamento da imprensa, pois não faltará quem atribua um voto favorável dele ao ex-cliente dela à gentileza do julgador feita à sua namorada. Como se ele precisasse disso para agradá-la. Uma viagem com ela à Europa, patrocinada por algum advogado, seria mais comprometedor do que isso. 


Permita-me, porém, caro Ministro, a liberdade de lembrar as palavras de Manzini, ao falar dos institutos da suspeição e do impedimento do juiz: eles “não têm somente a finalidade de prevenir decisões injustas, senão também a de evitar situações embaraçosas para o juiz e de manter a confiança do povo na administração da justiça, eliminando causas que poderiam dar lugar a críticas ou a malignidades. Até das aparências deve cuidar-se quando se tratar da justiça”.


Com o descrédito em que se acha o nosso Judiciário, todo cuidado é pouco, digo-lhe com o atrevimento de meus cabelos brancos. Quanto ao nosso Executivo e o nosso Legislativo, perca a esperança.


Um comentário:

  1. Comecei a ler e tive a sensação de déjà vu... ora, tava no seu livro. Casos curiosos e muito ilustrativos de como andam as coisas....
    Esperança? A minha tá enterrada, em cova bem funda.
    Abraço.

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