12 julho 2013

Passeatas



O poder não presta contas.” William Shakespeare, Macbeth
Power tends to corrupt and absolute power corrupts absolutely.” Lord Acton (1834/1902)

Durante mais de 200 anos, entrava ano e saía ano e a França era governada por um Luís. Um deles sintetizou o que pensavam todos eles: L’État c’est moi. Se você pensa que essa frase foi inventada pelo Sarney ou pelo Renan Calheiros, saiba que essa coisa é tão velha como o mundo.
A nobreza francesa era, como a nossa atualmente, fonte de abusos de toda ordem. Para começar, nobres não pagavam impostos. Hoje eles fingem que pagam, mas ou o dinheiro veio de bolso alheio, geralmente uma grande empreiteira, ou saiu mesmo dos cofres públicos, sob a forma de “cartão de crédito funcional” ou viagem “oficial” de avião levando mulher, sogra, filhos e babás, ou juntando “notas frias” para justificar a despesa. Descobre-se a maracutaia, o gatuno devolve (ou diz que devolve) o dinheiro e tudo fica por isso mesmo. Peculato já era, mano. Os ladrõezinhos pés de chinelo, que não têm sangue azul, não contam com esse benefício. Contam?
Pois naquela época surgiu na França um José Dirceu. Chamava-se Georges Jacques Danton e era um homem de palavra fácil, especialmente quando se dirigia às massas. Seu nome ficou indissoluvelmente ligado à de outro líder: Maximilien Marie Isidore de Robespierre. Enquanto Danton era agitador, Robespierre era cerebral, com um raciocínio de rigor matemático. Um par perfeito.
Em 1789 houve uma passeata que terminou com a invasão do Castelo da Bastilha, onde ficavam os presos, todos pobres, evidentemente. Isso incrementou o movimento popular que, organizado segundo modelo proposto por Robespierre, acabou destituindo o rei Luis XVI, que foi submetido a um tribunal popular, que, como era de esperar, condenou-o à morte, mesmo porque os revoltosos haviam instituído a guilhotina, que ficava exposta em praça pública, para acalmar os mais nervosinhos. Cerca de 3.000 pessoas foram decapitadas desde 1.792, quando o aparelho do Dr. Guilhotin começou a trabalhar. Um deles, como visto, foi o derradeiro Luís, em 1.793.
Na verdade, paradoxalmente, a revolta popular teve origem na insurreição dos nobres, que se recusaram a aceitar a proposta do rei de passarem a pagar impostos, para melhorar o caixa do governo. Em um segundo momento, o rei convocou uma Assembleia Nacional para aprovar uma constituição. Desde logo, porém, foi baixada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que inspiraria a ONU a promulgar a Declaração Universal dos Direitos Humanos quase 200 anos após.
Voltemos à nossa dupla dinâmica.
Em meio ao caos, a França passou a ser administrada por um Conselho Revolucionário, criando-se um Comitê de Salvação Nacional, que, em nome do bem comum, passou a guiar-se pelo terror, pois o cerebral Robespierre entendia que os fins justificam os meios. Assim, a moralidade não pode ser deixada a cargo de cada um, mas deve ser imposta. Até as criancinhas devem saber de cor a Declaração dos Direitos, como um credo religioso. Danton não concordava com tais excessos, motivo pelo qual passou a ser chamado de corrupto, pois vivia nababescamente, segundo os padrões gerais, pois o povo passava fome. Condenado à morte, por iniciativa de seu antigo aliado, entregou-se como um mártir, declarando-lhe: “Já correu muito sangue. Melhor acabar com isso, pois hoje sou eu, amanhã será você”. Isso ocorreu em Abril de 1.794.
E não deu outra: em julho do mesmo ano a cabeça de Robespierre era afastada do corpo.
A insatisfação popular acabou por produzir uma situação irônica: a Revolução Francesa, que havia pretendido acabar com a realeza, acabou levando a França a ela, com a assunção de Napoleão Bonaparte no cargo de Cônsul Geral (1799) e declaradamente no de Imperador, cinco anos depois.
Muitos biógrafos apontam em Robespierre um fanatismo quase religioso, julgando-se pessoa com poderes de um iluminado. Um de seus projetos mais estapafúrdios, aprovado por seus temerosos pares, foi alterar o tradicional nome dos dias da semana, substituídos por referências à natureza (época de colheita, de geada, de calor, de colheita etc.):  

Outono:




Inverno:











 

Nem Jânio Quadros chegou a tanto.
Para Robespirre, embora reconhecesse o valor do trinômio “liberdade, igualdade, fraternidade”, deve-se sobrepor a igualdade à liberdade, a revolução à liberdade, o povo à liberdade e as razões do Estado à vontade do povo. Nem que seja oficializando o terror.
Como se vê, conhecer História nem sempre é perda de tempo, especialmente quando se procuram pessoas carismáticas, como em nosso momento presente, em lugar de procurarem-se projetos de governo. Sempre haverá um Napoleão à espreita, ainda que o uniforme não seja o militar.

2 comentários:

  1. ... mutatis mutantis, ... ou se o Metre falou, ... Roma locuta causa finita, ... e, ... o mundo iria se inspirar no Código Napoleônico de 1.804, ... com todo o eco dos tambores da linha de frente, ... so um Viva a Revolução, essa que se pensa e faz, com movimentos pacíficos, com ações coordenadas, sem violência e com muita inteligência, ...

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  2. ... é claro, quis dizer Mestre e não metre, ... embora, desconheça mais essas habilidades do nosso Professor Adauto Suannes, ...

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