05 junho 2008

Hvordan har du det? (segunda parte)


Estás vendo esse simpático senhor aí ao lado, procurando alguma coisa na algibeira? Pois ele também está na história.
Algo que chama a atenção do visitante é a falta de outdoors na cidade de Oslo, coisa que o prefeito de São Paulo acabou imitando. No primeiro momento, parece que você chegou a um cenário cinematográfico, com aquelas fachadas muito limpas, quase todas da mesma altura, e que serão retiradas assim que acabarem de fazer o filme. E nada de propaganda nas ruas nem na frente das casas. Nada de grafites pelas paredes brancas, emporcalhando-as, como se vê em tantas capitais. Nada de papéis colados em postes, especialmente com a cara de algum candidato a cargo público, como vi certa vez no Panamá, onde cada candidato era representado por um símbolo, coisa mais prática do que erradicar o analfabetismo. Algo digno de um país civilizado.
Outro espanto resulta do fato de todos os veículos trafegarem com as lanternas acesas, o que fazem numa velocidade mais adequada a uma parada militar. E olhe que as avenidas são largas! Com o tempo se descobre que, como o dia pode mudar de aspecto a qualquer momento, é melhor, por segurança, deixar a lanterna acesa, mesmo ao meio-dia de um dos raros dias de verão, criando-se o hábito desde já. Prático, não?
A pessoa indicada para me receber no aeroporto me diz um ‘Hvordan har du det?’. Eu, previdentemente, havia trazido meu dicionário de bolso e vou traduzindo palavra por palavra: ‘como’ ‘tem’ ‘você’ ‘isto’? Digo-lhe que minha bagagem foi adquirida com meu dinheiro. E quase lhe pergunto se ele é funcionário da alfândega e coisa e tal. Ele ri muito e repete a pergunta. Eu volto a conferir no dicionário e continuo a dizer-lhe que tudo o que eu tenho é fruto do meu trabalho pessoal e que posso mostrar-lhe minha declaração de renda, se ele me demonstrar que está autorizado a examiná-la.
E ele continua a rir desatadamente. Passo a provocá-lo: ¿Usted habla español? Ele balança a cabeça negativamente. E continua a rir. Parla italiano? Parlez vous français? Sprach sie deutsch? Cá entre nós, eu também não falo alemão, mas é sempre bom impressionar o adversário. E ele, rindo cada vez mais, balança a cabeça negativamente. Do you speak english? E ele: Sure! I do! E por que não me disse isso desde logo?, indago furioso, em inglês, é claro. ‘Simplesmente porque não me perguntaste, homem’. E ri sem parar o bom homem.
Agora que nos apresentamos, pergunto-lhe que curiosidade é aquela a respeito de minhas posses. Ele então me explica que, ao contrário do inglês, que pergunta como está você, o norueguês quer saber se está tudo bem com você. Como vão as coisas. Hvordan går det? Ou como vai isso. Num sentido mais amplo, além de mera preocupação material, fica: Hvordan har du det? Em suma: How are you? I´m fine, takk, bare bra, digo-lhe para mostrar que nem tudo ali me surpreende. Ele mostra satisfação pelo meu interesse por sua língua. Que lhe asseguro ser veldig vanskelig. Muito difícil, digo eu. As a russisk I understand this.
Não preciso de dicionário para entender que o homem deve ter vindo a pé da Sibéria até aqui.
Aliás, a presença de estrangeiros em certos tipos de atividades por ali faz lembrar o que ocorria nos anos 70 em relação a portugueses e espanhóis, que se bandevam para além da fronteira. Certa ocasião, em um desses países de língua arrevesada, eu e minha mulher entramos numa loja em Praga, para comprarmos um par de botas. E como se diz bota em checo? Discutíamos para ver se descobríamos isso quando o senhor que instalava uma lâmpada no teto da loja diz alguma coisa à atendente que vai lá dentro e volta com dois pares de botas nas mãos. Mistério! Seria adivinhação? Coisa do além, de que tanto gosta minha mulher? A coisa era muito mais prosaica: o homem no alto da escada era espanhol e acompanhou toda nossa discussão! E transmitiu, gentilmente, à vendedora o nosso recado. Identificou-se, falou de sua terra, de sua família e nós lhe agradecemos a gentileza da salvadora intervenção.
Mas, que fazia um espanhol em terras tão distantes? ‘Mi padre tenia unas tantas ideas muy particulares sobre el generalísimo’ foi sua compreensível e gentil explicação.
Hoje, com a unificação da Europa, o lugar dos portugueses e espanhóis passou a ser ocupado por africanos e asiáticos. E a cor parda deles acaba produzindo um apartheid na Noruega, mesmo porque, além da língua e da cor da pele, há o abismo representado pela cultura e, mais especificamente, pela religião. Roupas espalhafatosamente coloridas, corpo à mostra e outros atrevimentos próprios da juventude? Nem pensar. São mulheres e homens com roupas escuras, que por vezes cobrem até a cabeça das senhoras mais velhas. E algumas não tão idosas adotam o mesmo figurino, com o chador a cobrir-lhes a cabeça. Assim é a vida!
Voltando ao meu amigo russo, como estou com fome, ele me leva a um shopping da cidade, onde também a recepção não é das mais calorosas. Em um enorme pôster, um cidadão, com ar debochado de ébrio, me faz uma saudação estranha, que eu retribuí registrando em fotografia, como se viu lá em cima.
Não sou homem dos mais pudicos, muito ao contrário. Mas, convenhamos, saudarem-me assim, com tanta falta de finesse, não me parece algo muito aceitável.
Mostro a cena a ele, que volta a deliciar-se com minha reação, rindo a mais não poder. E me leva para ver outro local, para conhecer a esposa do tal homem, segundo me diz.

( continua )

Um comentário:

  1. Amigo Adauto:


    Acessando seu blog, tercebi sem "tristeza" que "O Tempo fugit". Com
    "cidadania e fé", fico torcendo para que a vítima daqueles poderosos
    "Olhares" logo se recupere e possa deixar o acostamento. Estou certo
    disso, com fundamento na beleza dos seus versos.

    Abraço
    Francimar.

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