23 junho 2008

Hvordan har du det?


(Terceira parte)

Como pude verificar mais tarde, o sanduíche é uma instituição nacional. No ônibus, no bonde, no metrô, no barco, na rua, na ante-sala dos cinemas, no páteo da universidade, nos jardins é comum eles abrirem sua skulder veske (uma bolsa que carregam nas costas, outra instituição nacional, que os transforma numa espécie de marsupiais, e que, além do lado prático, talvez explique a inexistência de senhoras nem senhores corcundas, já que a espinha, na infância e na juventude, vai-se cristalizando em linha reta) e dali retirarem as coisas mais inimagináveis, em especial um embrulho contendo o matpakke, um sanduíche que pode ter os mais variados recheios, em especial o delicioso camarão local cozido.
Os restaurantes, claro, fazem concessão ao turista e lhes exibem as refeições completas a qualquer hora do dia. Em especial as universais pizzas, que os jovens compram por fatia e saem comendo pela rua, sem a menor preocupação.
Nos restaurantes quase não se come carne vermelha, cujos preços são proibitivos. Além da carne de alce, há carne bovina, importada adivinha de que país? O café vem da Colômbia, a banana vem da África mas a carne bovina vem do Brasil. Em compensação, há mil tipos de pão, nenhum deles o pão fresco, que tanto me empanturra o estômago e foi proibido por meu médico. Ponto para eles.
E há os doces. E os queijos, que, certamente, serão minha perdição. Adeus regime!
Finda a refeição, servem-me um café. Em lugar do corto, como se bebe na Itália, eles o tomam em uma caneca que mais seria apropriada a uma chocolatada quente. E a economia de pó é visível até na cor da bebida, cujo sabor lembra, remotamente, um chá de rubiácea.
No parque, lá estavam algumas vovozinhas saboreando seu matpakke. O que, mais que depressa, fiz registrar ad perpetuam rei memoriam, tanto quanto as mais de duzentas esculturas do meu colega Vigeland.
Paga a conta, circulamos pelo belo parque, onde o famoso foetus não poderia deixar de ser registrado. Não conheço outro artista que tivesse tido a idéia de registrar esse momento de nossa vida. Depois de uma boa caminhada, seguimos para o hotel, onde as pessoas sempre me recebem com um sorriso que me faz sentir um marajá. Estão todos certos de minha generosidade na hora da gorjeta, por certo. Ele mais uma vez me corrige: Essa cordialidade você vai encontrar em todo lugar aqui, mesmo por parte de pessoas desconhecidas. Mais tarde conferi que, nos ônibus, o motorista não tem a menor dúvida em abrir um mapa para indicar a um passageiro onde fica o lugar procurado, por onde não passa aquele veículo, que o passageiro havia tomado por engano.
A belíssima atendente do hotel me pergunta se quero aproveitar o sol da tarde para um banho na piscina. Aquecida e coberta?, indago ingenuamente. A moça positivamente jamais ouvira tal pergunta. E meu guia me informa que, com tal temperatura (eu estava vestindo casaco) é comum os noruegueses nadarem no mar. Aquele sol de fim de verão é coisa rara por aqui e é preciso aproveitá-lo. Rejeito delicadamente o convite, despeço-me de meu guia e sigo para o quarto, para um merecido repouso, que os dias próximos serão de muito trabalho, pois tenho de estudar a programação do congresso.
Antes de fechar a porta, porém, acho adequado fazer-lhe uns esclarecimentos. Não pretendo ser um desses turistas deslumbrados, como há muitos. Os melhores restaurantes, os hotéis mais confortáveis, os recantos mais visitáveis. Tudo isso também me atrai, é claro. Gosto de conhecer locais bonitos, de comer calmamente e, se possível em boa companhia, uma boa refeição, tomando uma boa bebida, e também prefiro hospedar-me num hotel de qualidade, em lugar de ficar numa espelunca. Ser turista não quer dizer ser perdulário, mas também não pode significar viver miseravelmente, assim penso eu. A sempre oportuna virtus in medio cai bem nesse momento. Got it?
Entretanto, minhas observações sobre a Noruega não serão, certamente, as de um simples turista. Espero que sejam mais amplas, com um toque pessoal que eu não poderei evitar. Talvez até vire um livro. Ou vários, diz ele. Veremos.
À medida que for me aclimatando no país, começarei a fazer alguns amigos noruegueses, a quem, certamente farei observações que lhes causarão espanto. Sobre o narizinho das moças, por exemplo. Já viram nariz mais bonito do que o das norueguesas? indagarei. Não, eles nunca repararam nisso. Convivendo com elas no dia-a-dia, eles certamente não percebem a graça daquele nariz arrebitado, porque, ilhados em seu país, não têm parâmetro para comparar. Sugerir-lhes-ei, então, que visitem o museu Kon Tiki e comparem o nariz delas com aquele das estátuas de pedra que lá estão, trazidas da Ilha de Páscoa pelo extraordinário navegador Thor Heyerdahl. E se darão conta da beleza das moças nativas. Aliás, Kon Tiki era o nome de uma balsa construída como uma cópia de um barco pré-histórico. Feita com nove troncos de madeira leve e uma tripulação de apenas seis pessoas, partiu em 28 de abril de 1947 de Callao, no Peru, chegando à Polinésia depois de 100 dias. Tudo está devidamente documentado e exibido naquele museu.
E assim ficou a idéia de que um estrangeiro poderia registrar sua opinião sobre pessoas, coisas e costumes locais, enquanto aguardo o tal congresso de escritores.
Não me move o propósito de fazer um simples registro, digo-lhe desde já. Como dizia o Fernando Pessoa, por um de seus heterônomos, o poeta (e todo artista) é um fingidor, que finge tão completamente que até finge que é amor o amor que deveras sente. Ou seja, o leitor, o apreciador de qualquer obra de arte, não saberá jamais onde está a reprodução da realidade e onde está a contribuição pessoal do artista.
Atrevo-me a dizer que todo artista é um inconformado com a obra do Criador. O que Deus fez foi muito pouco. É preciso acrescentar algo a ela. Pendurar um quadro numa parede de uma casa ou plantar uma escultura numa praça pública não é isso? Com o escritor acontece o mesmo. Até onde o historiador é alguém neutro nas descrições que faz? Um ponto de vista é sempre uma visão a partir de um ponto. E esse ponto é o olhar de quem vê. Ao escrever, utilizo-me da realidade, acrescentando-lhe, porém, algo que me parece cabível. Ou crio eu mesmo essa realidade, que, pelo fato de existir apenas na imaginação do autor, não deixa de ser realidade.
Ou você acreditou que alguém iria me convidar para um congresso de escritores?
( Fim )

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