02 novembro 2008

Froidianices

À Cláudia,
com amor e admiração.

Você está dormindo e sonha. Um bispo, sentado em seu trono, mitra na cabeça, exibe o báculo, ostensivamente. As senhoras presentes genufletem, respeitosamente, diante dele. Ao fundo, sobre a nave, o maestro empunha a batuta e, a um sinal do báculo, agita o instrumento, para êxtase dos presentes. É o casamento de um cadete. No corredor principal, colegas do noivo, frente a frente, descumprem a ordem latina dada por Cristo a Pedro - mitte gladio in vagina -. Ao reverso, tiram da bainha o espadim e cruzam-nos, dois a dois, formando um arco, sob o qual passarão os noivos. Que, certamente, terão muitos filhos. Fora, um canhão dispara salvas de tiro. As donzelas aplaudem, excitadíssimas. O povo, entretanto, munindo-se de pedaços de pau e cacetes, tenta penetrar no templo, que tem a porta ovalada. Os guardas, vestidos de branco, quais vestais, postam-se diante da porta, para impedir a violação do templo do amor. Com os fuzis nas mãos, os guardas calam neles as baionetas, em posição de combate. Frente-a-frente os grupos contendores, aparece o juiz da comarca, exibindo a vara, símbolo da jurisdição e do poder. O prefeito dirige-se ao microfone, que tem a cabeça como uma glande coberta de uma malha de aço. De microfone na mão, ele agita o dedo indicador. Dedo em riste, como se diz, ele ameaça castrar os presentes.

Você acorda com um barulho. Um livro do velho Freud caíra da prateleira, com estardalhaço. Apalermado, meio sonolento, você vê o homem de barba branca e olhar maroto sair das páginas do alfarrábio. Soltando baforadas de fumo, ele lhe repete a lição que dera aos jovens na saída do teatro, em Viena: “Meu filho, por vezes, um charuto simboliza apenas um charuto".
Você começa a lembrar-se de que na véspera estivera lendo algo sobre a simbologia freudiana. Báculo, batuta, lança, espadim, pau, cacete, vara, dedo em riste, microfone, canhão, fuzil, baioneta. Uma chuva de símbolos fálicos invadira seu sonho. Aliás, o que não falta é gente tentando achar símbolos em toda parte.

Assustado, você vê sobre a mesa de trabalho a estátua de Têmis. Na mão direita ela traz o ainda presente falo da autoridade - vista sob o ponto de vista masculino -. Ela parece envergonhada de sua bissexualidade, e, por isso, cobre os olhos com uma venda, certamente temerosa de que a balança que ela traz na mão esquerda, representação óbvia da feminilidade, lhe mostre se o animus, representado pela espada, prevalece sobre a anima, ou vice-versa. Uma figura andrógina que não tem coragem de encarar-se, conclui você.

Pensando bem, não foi o Freud o teu inspirador. Isso de anima e animus não era coisa do Sigismundo, mas do outro, que, aliás, não fumava charuto, mas cachimbo, símbolo feminino, com aquela abertura destinada a levar fumo, se a senhora me permite a grosseria.

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Esta brincadeira foi publicada originalmente há muitos anos. Agora que minha filha é Mestra em Psicologia Clínica, achei que cairia bem a provocação. Até porque ela é freudiana e eu sou Carl Gustaviano.

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