15 fevereiro 2009

Juízo Municipal Informal de Conciliação


A descrença na rapidez da atuação do Poder Judiciário não é privilégio do Brasil, sendo raríssimos os países que contam com um Judiciário tão eficiente que o vencedor da causa não tenha de amargar as conseqüências da demora, a que os juristas, para dourarem a pílula, preferem aludir em latim: periculum in mora. A demora é algo insuperável, agravada no Brasil pela existência de um número infinito de recursos, sem que se adote o sistema de sucumbência por incidente, que muito refrearia esse ímpeto demandista. Quer recorrer? Pois que arque com as conseqüências da perda do recurso: cada vez que for derrotado, o recorrente deveria pagar não só as custas do recurso como os honorários do advogado da parte contrária. 

Quando ministro do Supremo Tribunal, Sydney Sanches, certa ocasião, informou-me que tinha em mãos os autos de um processo relativos ao 33º(trigésimo terceiro!) recurso interposto em uma única causa. Conte isso lá fora e eles te internam. O ministro Sepúlveda Pertence declarou, com seu conhecido bom humor, que quase foi chamado de ignorante por um colega de outro país. Ele relatou, em certo congresso internacional de juristas, que, naquele ano, havia dado uns tantos mil votos. Como a palestra foi dada em inglês, o colega estrangeiro dele, gentilmente, corrigiu: “o ilustre palestrante, certamente pouco afeito à língua inglesa, confundiu hundred com thousand”. E o Sepúlveda: eu não quis dizer centenas, quis dizer milhares de processos.

A Suprema Corte norueguesa é composta de mais juízes do que a nossa. Seu presidente declarou-me que no ano de 2005 haviam julgado quase 500 recursos criminais. Um assombro, segundo ele. Nossa Suprema Corte julga muito mais do que isso por mês!

Qual a solução para esse insuperável volume de serviço? Uma tentativa recente é a adoção da chamada “súmula vinculante”, pela qual se obrigam os juízes a respeitar uma decisão-padrão tomada pelo Supremo Tribunal Federal sobre determinado tema jurídico. Outra é buscarem-se resolver os conflitos por conciliação e arbitragem.

A arbitragem, como se sabe, é uma proposta de processo não-judicial de resolução dos conflitos inter-individuais, que pode ser instituído mediante cláusula contratual compromissória expressa (os contratantes se comprometem a solucionar os conflitos decorrentes do contrato sem ingressar em Juízo) ou pela simples convenção das partes, tendo como escopo diminuir as conseqüências acima referidas, tanto que as partes fixam um prazo razoável para que os trabalhos do árbitro sejam concluídos. Por mais que alguns juízes esbravejem, certamente por verem nisso a demonstração de que o Poder Judiciário brasileiro está falido, isso nada tem de inconstitucional, pois não se está delegando atividade jurisdicional, que é coisa diversa. Aliás, isso de ter de submeter qualquer conflito ao Poder Judiciário já está superado.

Todos nós conhecemos algum jogo de futebol vencido irregularmente por um dos times. Cite-se, por todos, aquele em que a famosa “mano de Diós” se utilizou do Dieguito Maradona para dar a vitória à seleção argentina. 

Campeonatos de futebol são decididos com base em algum gol questionável e nem por isso os clubes entram com uma ação judicial para contestar o resultado. Aliás, isso consumiria anos e anos, o que levaria o caos ao futebol, com incertezas e perda de dinheiro por parte de clubes e de jogadores.

Juiz de paz celebra casamento e nem por isso precisa de toga. Aliás, até padre está autorizado a isso. Aí está a lei n. 6.015/73 que me não deixa mentir. E não me consta que alguém alguma vez haja tentado anular um casamento porque não foi celebrado pelo juiz de Direito ou, ao menos, pelo juiz de paz.

Se ela não vem expressamente mencionada no contrato, a arbitragem aparece em uma convenção ou compromisso posterior, quando as partes interessadas, diante de um desentendimento, não desejando, sabiamente, submeter o caso ao Poder Judiciário, dada a demora que isso acarretaria, resolvem nomear uma ou mais pessoas de confiança de ambos para definirem o impasse, pondo-se, assim, fim ao litígio. Esse árbitro, de comum escolha, terá todos os poderes necessários à sua atuação e sua palavra final, atribuindo razão a este ou àquele, não poderá ser contestada. Igual a um juiz de futebol, até porque o juiz de Direito, pobre dele!, sua palavra pouco vale, tantos são os recursos judiciais possíveis.

Digno de notar que em 1975 os Estados membros da Organização dos Estados Americanos - OEA -, dentre os quais o Brasil, por seus ministros plenipotenciários, em reunião realizada no Panamá, aprovaram a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Internacional, segundo a qual “é válido o acordo das partes em virtude do qual se obrigam a submeter a decisão arbitral as divergências que possam surgir ou que hajam surgido entre elas em relação a um negócio de natureza mercantil”. O Congresso Nacional brasileiro, depois de 20 (vinte!) anos, ratificou aquela Convenção e, em face disso, o Poder Executivo, pelo decreto n° 1.902, de maio de 1996, promulgou a Convenção, incluindo, pois, seus dispositivos em nosso sistema jurídico. Passaram-se mais de 10 anos e isso ainda esbarra em nossa cultura de eterna desconfiança.

  Muito embora a possibilidade de estabelecimento de um Juízo Arbitral já viesse prevista em nossa legislação há muito tempo, em especial no Código de Processo Civil, somente com a edição da lei n 9.307/96, que decorreu da promulgação daquela Convenção, é que se pôs ponto final às discussões que havia a respeito da possibilidade de sua adoção entre nós, o que era negado por alguns juristas em face do princípio constitucional que proíbe qualquer acordo que implique a exclusão de apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer alegação de lesão de direito individual. Aliás, só a má vontade pode ver nesse tipo de solução de conflito a exclusão do Judiciário, pois a porta dele sempre estará aberta para a discussão de eventuais defeitos formais no processo conciliatório. Tanto quanto para avaliar a validade de um casamento.

Realmente, segundo o contido nessa lei, escolhido o árbitro, ou árbitros (neste caso em número ímpar, por motivos óbvios), pelas partes interessadas, deverão elas acatar o que por ele for decidido, somente podendo qualquer das partes recorrer ao Poder Judiciário, para impugnar o laudo ou sentença arbitral, em caso de ocorrer nulidade dessa decisão, o que ocorrerá se:

i)    vier a descobrir-se que alguma pessoa que atuou como árbitro não podia sê-lo;

ii)  a decisão arbitral contiver vícios formais, como falta de fundamentação ou de assinatura de algum dos árbitros;

iii) tiver ela ido além do objeto a que se destinava, decidindo mais do que aquilo que haviam requerido as partes interessadas;

iv) tiver ficado aquém daquilo que haviam requerido as partes, deixando de decidir parte da questão submetida a julgamento;

v)   ficar comprovado que o árbitro fora submetido a ameaça, corrupção ou tenha agido por prevaricação, atendendo a algum sentimento pessoal para favorecer uma das partes;

vi) tiver sido proferida além do prazo fixado pelas partes;

vii) não tiverem as partes sido tratadas com igualdade no processo.

Prevista sua possibilidade no contrato ou resolvendo as partes interessadas submeter a solução do impasse a um Juízo Arbitral, a este será levada a questão, por ambas as partes ou ao menos por uma delas, que, em tal caso, especificará devidamente o assunto a ser decidido.

Decidida a realização da arbitragem, caberá ao árbitro ou árbitros tomar todas as providências para melhor ser decidida a questão, podendo até mesmo mandar realizar perícia, ouvir testemunhas, requisitar documentos, além de poder ouvir as partes interessadas. Finalmente, esgotados os meios probatórios, será lançada a sentença arbitral, dentro do prazo concedido pelas partes, tornando-se, a partir de sua publicidade, uma norma que vincula as partes interessadas.

Duas observações importantes: o Juízo arbitral somente pode ser utilizado quando se estiver diante de direitos patrimoniais disponíveis, por motivos óbvios. Por isso, as partes podem estabelecer como bem entenderem as regras a serem observadas pelo árbitro. Por fim, a escolha do árbitro, para evitarem-se novas demandas, deverá recair sobre pessoa experiente, respeitada na comunidade e familiarizada com o tema a ser decidido.

O que importa registrar é que esse procedimento retira do âmbito do Poder Judiciário a demorada fase do processo de conhecimento. Encerrada a conciliação ou sobrevindo a decisão do árbitro, aí estará um título executório, que, não respeitado, dará ensejo ao processo de execução. Desnecessário enfatizar quanto de tempo se ganha nisso.

Ora, sendo isso assim, nada impede, antes tudo aconselha, que esse serviço seja incluído na esfera das atividades do município. A praticidade disso e a descentralização que isso implica não deixam a menor dúvida quanto à sua conveniência e praticidade. Hoje em dia, especialmente no Estado de São Paulo, pode-se dizer que cada município tem sua faculdade de Direito, por mais mambembe que seja ela. Se não ele, a cidade maior mais próxima certamente o terá. Se o Prefeito, devidamente autorizado pela Câmara de Vereadores, firmar um convênio com tais Faculdades, esse Juízo Informal Municipal de Conciliação poderá contar com estudantes de Direito, que, além de praticarem naquela atividade, poderão até mesmo preparar-se para uma futura carreira na magistratura. O juiz da comarca a que pertencem tais municípios não terão dúvida em reunir-se, periodicamente, com esses conciliadores, dando-lhes eventuais esclarecimentos de que a atividade deles mostre necessitarem.

Apresentei estas idéias em algumas cidades do interior. Em Santos, um advogado, ao fim dela, levantou-se e afirmou: “Acho que essa idéia não pega. Ela é tão simples que as pessoas tendem a rejeitá-la por isso. Nós adoramos é complicação.”

Acho que o colega pensava no famoso ovo do Cristóvão Colombo.

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