01 julho 2009

Três historinhas quase policiais

O Antonio Carlos era juiz de Direito, casado com a Bia, funcionária do fórum onde ele atuava em Vara Criminal.
Naquela tarde a audiência era relativa a um rumoroso caso de assalto a uma joalheria da cidade. Uma senhora bem vestida entrara na loja, pretextando interesse em adquirir um par de brincos e, enquanto a atendente colocava sobre o balcão os exemplares para a pretensa freguesa escolher aquele de sua predileção, três rapazes, seus comparsas, ali penetraram, dominaram as poucas funcionárias da loja e os quatro se puseram a recolher o que lhes era possível.
Ocorreu que alguém do lado de fora da loja percebeu a ação dos meliantes, como lhes alcunharia o delegado, chamou os seguranças do shopping, juntou gente na porta da loja e os três rapazes não conseguiram fugir, sendo presos logo em seguida. A mulher que havia distraído a balconista, aproveitando-se da confusão, saiu de fininho, escapando do chamado flagrante.
Era isso que a balconista explicava ao doutor Antonio Carlos, que insistia para ela especificar a atuação de cada um dos quatro réus, três deles, a saber, os rapazes, ali sentados, com o ar compungido que é útil assumir nessas ocasiões. Este fez isto, esse fez isso e aquele fez aquilo.
Nisso a Bia entra na sala e vai comunicar ao marido que havia recebido um telefonema da diretora da escolha dando conta de que o Marcelo, filho do casal, hoje casado e advogado na Capital, havia caído de um brinquedo e sofrido alguma lesão corporal, como dizem os juízes. Ela iria ausentar-se por uns instantes, para inteirar-se dos fatos, e, retornando, daria conta ao marido do sucedido.
- Ué, por que ela também não está presa? diz a balconista ao juiz. Foi essa mulher aí que eu atendi na loja e que ajudou os rapazes a escolher as jóias que eles iriam levar.
A Bia, despachadona, sem perder a classe, diz ao marido, em voz alta:
- Vai ver eu tenho uma irmã gêmea e não sei disso. Vou indagar do papai.

...ooOoo...

Ela seguia em direção à casa da irmã, onde tomariam um chá das cinco. Ou comeriam uma pizza, como ficara alternativamente combinado. Seguia pela larga avenida, de incrível pouco tráfego de veículos àquela hora, o que mais tornava curiosa a presença daquela motocicleta circulando atrás do automóvel dirigido por ela.
Tanto espaço à esquerda e ele me seguindo? Aí tem coisa! disse ela de si para consigo.
Convergiu à direita umas três quadras adiante, imaginando livrar-se do inoportuno sem deixar de seguir para a casa da irmã por aquele atalho. Olha o espelho retrovisor (haverá espelho que não seja retrovisor?) e lá está a mesma motocicleta atrás do automóvel. Ela pensa em acelerar o carro, mas logo chegará a rua em que mora a tal irmã, umas quatro quadras adiante, à esquerda. A rua é uma ladeira, em aclive, considerando o sentido do seu carro. Mal entra naquela rua, lá está a motocicleta no espelho do carro. Ela vai diminuindo a marcha, com a intenção de parar diante da casa do seu destino. A motocicleta finalmente ultrapassa o automóvel, para alívio dela, mas, em lugar de acelerar, a moto pára bruscamente bem diante da casa da irmã da nossa motorista. Assustada diante de tamanho atrevimento, ela engata a marcha-a-ré e, temerariamente, volta dois quarteirões, entra numa ruazinha e, com o coração na boca, arfando, telefona para a irmã avisando que um motociclista estava parado diante da casa dela. Que a irmã não abrisse por nada a porta da casa, diz ela com dificuldade.
- Como não?, diz a irmã. É o motoboy da pizzaria. Você vem jantar conosco ou não vem?

...ooOoo...

Ela era e, até onde me consta, ainda é negra. Sempre é bom fazer a ressalva, pois quem conheceu o Jackson Five pode perguntar-se onde foi parar aquele negrinho simpático que cantava como gente grande.
Ela estudava odontologia e tinha como sua mais chegada amiga uma colega branquela que também adorava bailes. Combinaram ir naquela noite dançar numa casa de forró do arrabalde. O irmão dela, rapaz conhecedor da vida, muito preocupado, advertiu que aquele bairro não gozava de boa fama, embora o baile fosse ser animado por um conjunto que prometia, pensassem bem no risco que estavam correndo, sabem como são essas coisas. As duas moças ponderaram os prós e os contras, argumentaram com isto e mais aquilo e lá foram, no fusquinha da moça branca, ao tal forró.
Dançaram até as tantas, esquecidas das advertências do experiente rapaz. Nada como um bate-coxa para espairecer.
Fim de festa, noite sem lua, o carro estacionado mais longe do que haviam imaginado quando lá chegaram, rua mal iluminada. As pessoas, que saíram do salão de baile aos borbotões, vão-se separando, uns tomando a direção do ponto de ônibus na avenida próxima, outros preferindo ir a pé para casa e uma pequena minoria dirigindo-se a seus automóveis.
Uma das moças nota que um mulato está parado junto ao muro, defronte a porta da casa de dança, que começa a ser fechada pelo encarregado disso.
- Vamos apertar o passo.
Notam que o tal mulato começou a caminhar na direção delas e, notando que apertaram o passo, faz o mesmo.
- Melhor correr.
E lá vão elas, mão de uma segurando a gelada mão da outra, correndo pela rua quase sem iluminação em direção ao fusquinha, naquela falta de jeito com que correm as mulheres.
O nervosismo da motorista e a velocidade maior do rapaz fazem com que ele chegue até elas antes de elas conseguirem abrir a porta do carro.
- Vocês ficaram loucas? Correrem desse jeito numa rua esburacada dessas?
Era o preocupado irmão da moça negra.

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