21 junho 2009

Fiat lux



Para Gustavo Korte,
com amizade e admiração.

Não sei se isso já ocorreu com você, mas hoje aconteceu comigo. Acordei assustado e tudo o que consegui ver era a escuridão mais absoluta, que me envolvia como um manto lutuoso. Um negrume indescritível. Enlouqueci?
Sentei-me na cama aos tatos, apoiei os cotovelos nos joelhos e a cabeça sobre as mãos espalmadas, que me cobriam os olhos. Olhos pra que? Assim fiquei durante um tempo que não sei se muito ou pouco, qual uma estátua. Um pensador de Rodin imobilizado na Porta do Inferno. Quando dei por mim, estava dando um grito lancinante: “Quem sou eu?” Tudo o que obtive como resposta foi o silêncio. Um silêncio vindo das profundezas mais abissais do mundo. Um silêncio desses de doer nos ouvidos.
E essa escuridão que me envolve? Essa minha cegueira diante de tudo o que me cerca. Qual o sentido disso? Ó dúvida infame! E um novo grito: “De onde eu vim?” Mais silêncio, que se somava ao já espesso e insuportável silêncio anterior.
Abri os braços, sem coragem de levantar-me. Ó covardia humana diante do ignoto! Por um instante logrei imaginar, palidamente embora, como se sentiu o protohomem, o pai do pitecantropus diante do espaço infinito, quando tomou conhecimento de sua pequenez universal.
Veio-me à mente aquilo do Fernando: “Toma-me, ó noite eterna, nos teus braçose chama-me teu filho. Eu sou um reique voluntariamente abandoneio meu trono de sonhos e cansaços.”
O peso da imensidão de sua intransponível ignorância a esmagá-lo e a esmagar-me, qual uma barata da Clarice ou um escaravelho kafkiano. Ou não seria um escaravelho aquele inseto monstruoso? O Modesto Carone me garantiu que a descrição original é ungeheueren Ungeziefer, o que dá na mesma. Fiquemos, pois, com escaravelho.
E ele, falo agora do meu mais longínquo antepassado, tinha o consolo das estrelas infinitas pairando sobre sua cabeça, refrigério que eu, positivamente, não merecia naquele transe digno de um Saúl de Tarso. Quem me dera haver hoje um Caravaggio para pintar também o meu drama naquela noite de Damasco.
Apalpei-me naquele escuro viscoso, receoso de que também eu acabaria por descobrir-me um repugnante inseto, caído na estrada, à espera de um milagre.
E um novo grito, digno de um convertido Paulo, se fez ouvir naquela escuridão: “Para onde irei?” Creio que Santo Agostinho tem algo assim no Confissões. Preciso pedir ao Luis que mo devolva, para eu conferir isso, pois sempre confundo o Bispo de Aspona com o Santo Tomaz. Aspona ou Aspen? Também preciso conferir isso no Google.
Foi quando o impensável ocorreu. Vinda do alto, surgiu uma voz. Sim, uma voz clara, trombeteando sobre minha cabeça. Minhas preces foram ouvidas! “Respostas, quero respostas” berrei. E tudo indica que elas virão. Bendita seja a minha fé. “Luz, quero luz, mais luz”, diria eu em alemão, se me chamasse Johann Wolfgang.
E ainda escreveria um Sämtliche Werke In Chronologischer Folge, em modestos 45 volumes.
Agora eu era todo ouvidos. “Sim, mestre”. E o mestre falou: “Quem é você? Você é um bostinha que ainda não sabe que misturar bebida destilada com bebida fermentada pode acabar levando o infeliz a um coma alcoólico.”
Eu ouvi aquilo atônito. Quem seria o conhecedor dos meus pecados? Um anjo? Um guru? Um sábio?
E a voz prosseguiu: “Onde você está? Está num quarto de hospital de uma cidadezinha do interior, pois eu não iria deixá-lo morrer de frio desmaiado na sarjeta, iria?”
De muito longe provinha uma tomada de consciência preguiçosa, que caminhava lentamente em minha direção, uma luz no fim de um túnel, que eu não desejaria que fosse o farol de uma locomotiva.
E a voz continuou, implacável: “Por que essa escuridão? Simplesmente porque o merda do prefeito não cuida adequadamente do serviço público da cidade e o gerador de luz e força pifou”.
Sim, então é isso: tudo tem alguma explicação. Insta ouvir quem sabe. Há que ter esperança na capacidade humana de tudo compreender. Mas ainda me faltava saber mais. Aquilo que eu havia ouvido me devolvia a calma, mas ainda não era tudo o que eu precisava saber.
E a voz então concluiu: “Qual a saída? Este quarto tem quatro paredes. Em uma delas há uma porta. Se você apalpar cada parede e não for muito burro vai acabar achando essa porta. Ela tem um trinco, que te permitirá abri-la, ir pra puta que te pariu e me deixar dormir, pois são 3 horas da madrugada, eu sou enfermeiro e pela manhã tenho de cuidar de outros babacas iguais a você”.

Um comentário:

  1. Meu querido Suannes: há poucos dias também andei me perguntande sobre o que eu estava fazendo perdida neste mundo.Tive pesadelos e até escrevi um poema meio apocaliptico...nossa! Hoje pela manhã chego aqui pra dizer que é bom começar o dia lendo você. Paz em Ñnderu, Grauninha

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