28 abril 2010

A pop Star

Recostado na sua cadeira, uma cadeira larga e quebrada, polvilhada com cinzas, meu pai passa os canais da TV, toma outro cálice de Seagrams, simples, e pergunta o que fazer comigo, um rapaz novo e verde, que nem considera a falta de sentido do mundo, desde que as coisas se me tornaram fáceis.

Fixo os olhos na sua cara, um olhar que lhe afasta a testa; estou certo de que ele não tem consciência dos seus negros olhos de água, estes que balançam em diferentes direções, e dos seus lentos e indesejados espasmos que demoram a desaparecer.

Ouço, aceno abertamente até tocar na sua pálida camisa bege, gritando, gritando nos seus ouvidos, pendurados com lóbulos pesados; mas ele está a contar a sua piada, e então pergunto-lhe por que parece tão infeliz, ao que me responde….

Mas eu não quero mais a porcaria da resposta, porque passou todo o tempo, e por baixo da minha cadeira eu tiro o espelho que guardei. Eu rio-me, rio-me à gargalhada, o sangue escorre da sua cara até a minha, e cresce um pequeno lugar no meu cérebro, algo que deverá ser extirpado, como se fosse um caroço de melancia, com os dois dedos.

Papai toma outro cálice, simples, repara na pequena mancha de âmbar nos seus calções, igual à que eu tenho nos meus, e faz-me cheirar do seu cheiro, e este vem apenas de mim. Ele continua a passar os canais, recita um poema antigo que escreveu antes de a sua mãe falecer, levanta-se, grita, e pede um abraço, assim que eu encolho, com os meus braços mal conseguindo dar a volta ao seu grosso e oleoso pescoço, e às suas costas largas, porque eu vejo a minha cara emoldurada na armação preta dos óculos do papai. E descubro que ele também se ri.

Belo texto esse!

Só que o autor não sou eu. É alguém do sexo masculino, de tez bronzeada, como disse o Berlusconi, aquela Martha Suplicy que eles têm de suportar lá na Itália. Adivinhou? É com orgulho que lhes apresento um impensável colega beletrista, graças a uma indicação da amiga Inês Ramos. Adaptei algo da tradução lusitana do Tiago Nenê.



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