08 setembro 2011

Meias verdades


Vejo um debate na televisão sobre a lei anti-fumo. Um dos participantes, apresentado pela mediadora como filósofo, entende um absurdo impedir o direito individual de fumar, pois cada um deve saber o que lhe convém, sem que o Estado interfira em nossa liberdade de escolha. “Logo logo vão proibir o ato sexual” diz ele no auge da indignação.
Lamento dizer ao pretenso filósofo, que, quando muito, deve ser apenas um (mau) estudante de Filosofia, que já existe lei proibindo o ato sexual. Experimente ele deitar com uma parceira ou um parceiro num banco de uma praça de Porto Alegre, pois ele é gaúcho, e tentar realizar ali o tal ato sexual para ver o que lhe acontece. Ou levar para seu apartamento meninas de 12 ou 13 anos para tal finalidade.
Não é preciso estudar Filosofia para descobrir que a questão não está em proibir o ato sexual, mas proibir o ato sexual “em certos locais” ou “com determinados parceiros”.
Aliás, a idéia de liberdade absoluta não diz com o tipo de sociedade em que vivemos, mas talvez com uma sociedade anarquista. Num regime democrático, o que temos são limitações legais ao poder da autoridade pública (representante da sociedade) em prol do bem individual e limitações legais aos direitos individuais em benefício da sociedade. Será que isso seja algo surpreendente?
Por falar em limitação, registrei em livro recente o caso de um símbolo político: a cruz suástica, que nos recorda o nazismo. Esse símbolo tornou-se político por apropriação realizada pelos líderes nazistas. Consta que, em 1910, o poeta nacionalista Guido von List teria feito a sugestão de utilização do símbolo, já que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, também conhecido por Nazi, por oposição aos sociais-democratas, os Sozi, estava pretendendo ressuscitar a antiga civilização védica ou ariana, que se teria notabilizado por sua ferocidade guerreira.
Ocorre que tal cruz sempre foi um símbolo religioso, tanto que a palavra, em sânscrito, quer dizer boa sorte. É ela uma cruz eqüilátera, com os braços dobrados seja para a esquerda (sinistrógira) seja para a direita (destrógira), a sugerir movimento, tal como a roda da vida. A suástica é um símbolo sagrado tanto no Hinduísmo, como no Jainismo e no Budismo.
Aliás, a lei 7.716/89, quando define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, diz bem, no artigo 20, parágrafo 1º, ser crime o fabrico, comercialização distribuição ou vinculação da cruz suástica, “para fins de divulgação do nazismo”, o que deixa claro que o legislador brasileiro conhece tal distinção. O crime exige o elemento subjetivo do injusto: o fim político.
"Se compararmos a suástica com a figura da cruz inscrita na circunferência, poderemos nos dar conta de que são, no fundo, dois símbolos equivalentes, com a única diferença de que a rotação, ao invés de ser representada pelo traçado da circunferência, é apenas indicada na suástica por linhas acrescentadas às extremidades dos braços da cruz em ângulos retos; essas linhas são tangentes à circunferência, marcando a direção do movimento nos pontos correspondentes. Como a circunferência representa o Mundo, o fato de se encontrar subentendida indica muito claramente que a suástica não é uma representação do Mundo, mas sim da ação do Princípio em relação ao Mundo" diz Raimundo Cintra em A Cruz e o Lótus.
E conclui: "a suástica, longe de ser exclusivamente oriental, como se acreditou algumas vezes, é, na realidade, um daqueles símbolos muito difundidos, sendo encontrado em quase toda parte, do Extremo Oriente ao Extremo Ocidente, pois existe até em certos povos indígenas da América do Norte. Na época atual, conservou-se em particular na Índia e na Ásia Central e Oriental e é provável que apenas nessas regiões exista quem saiba ainda o que ela significa. Do mesmo modo que o centro do círculo e a roda, a suástica remonta incontestavelmente aos tempos pré-históricos, e, de nossa parte, vemos esse signo ainda, sem qualquer hesitação, como um dos vestígios da tradição primordial".
Ora, voltando ao tal programa de TV, o Estado não está proibindo as pessoas de fumar. Está proibindo a poluição do ar. Se o fumante engolir a fumaça do seu cigarro, nada contra seu vício. O que não faz sentido é ele, em lugar de dar vazão a ele no sacrossanto recesso do seu lar, venha fazê-lo na mesa ao lado da minha, num restaurante.
Usando um exemplo grosseiro: o Estado não me impede de beber chope. Quando minha bexiga estiver cheia, se eu descarregá-la ao pé da cadeira do meu vizinho fumante certamente ele não gostará. Por que haverei de aceitar a fumaça do cigarro dele?
A final de contas, eu tenho o direito de beber quantos chopes eu quiser. É ou não é?
Como diz o título, estamos diante de verdades aparentes, que não decorrem de uma análise objetiva, mas de apreciação precipitada, cujo resultado, quase sempre, é fruto do preconceito. Pior: essas meias certezas costumam exibir aquilo que os junguianos chamam de “sombra”, aquele “outro eu” que fazemos de tudo para esconder de nós mesmos.
Faça um teste: abra este site http://www.youtube.com/watch_popup?v=4meeZifCVro e, depois, honestamente, diga a si próprio qual foi a conversa que teve consigo mesmo durante a exibição do filme. Se disser que não teve conversa alguma, permita um conselho: marque hora com um psicanalista.



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