03 outubro 2013

Ninguém está lá


 
“Ser poeta não é minha ambição.

É a minha maneira de estar sozinho.”

 

Alberto Caeiro, pela mão de Fernando Pessoa

 

 

Estou ao telefone há horas,

a perguntar insistentemente

e tudo o que oiço é minha própria voz,

sem eco algum do outro lado.

Ninguém está lá,

eis o que concluo.

Ou finge não estar,

certamente sabedor de que quem está cá

outro não é que não eu.

Tenho por impossível que todos saiam ao mesmo tempo,

máxime em manhã frígida como esta,

pleno sábado,

neve aos cântaros,

ventos uivando pelas ladeiras,

a levantar gravetos

e toda espécie de impurezas

pelo vento levantáveis.

Quem se disporia

a ter as saias levantadas?

Cabelos desalinhados?

Cachecóis a esvoaçar,

quais enormes borboletas

presas ao nosso pescoço?

E tudo apenas

para não me atenderem

ao chamado telefônico.

 

Não!

Positivamente, mangam de mim.

Vejo-os ao lado do aparelho,

a contar-lhe os rogos todos,

que lhes ecoam pela casa,

como gritos de súplica

de um quase afogado.

Riem-se uns aos outros

e não admira

que a moçoila leve os dedos aos lábios,

como a temer

que eu de cá lhe escute

os abafados risos.

 

Tola!

Então não sabes

que a condição primeira,

sine qua non eu diria,

para que eu te escute

é dizeres sim

ao depois de alçares do gancho

esse maldito aparelho de escuta?

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