24 setembro 2013

A mulher de César


         Naqueles idos se dizia que à mulher de César não basta ser honesta; deve também parecer honesta. Lá se vão muitos séculos. Qual a origem da frase?
Reza a lenda que, aí pelos anos 60 a.C., Pompeia, mulher de César Augusto, foi surpreendida em companhia de outro homem, em circunstâncias tais que o imperador sentiu-se obrigado a dar satisfação ao povo, coisa, aliás, que poucos políticos costumam fazer hoje em dia. Ele teria absolvido a mulher do crime de adultério dizendo que não levava em conta o povo dizia dela, mas sim o que ela efetivamente o era. E ninguém melhor do que ele para sabê-lo. Talvez tivesse ele dito que a opinião pública parece irrelevante, mas ele ficava muito feliz quando uma decisão sua coincidia com a opinião pública. Se, porém, o que ele considerava certo não batesse com a opinião pública, ele simplesmente cumpria seu papel. “Nós”, teria dito ele, com plural majestático e tudo, “nós não julgamos para a multidão, nós julgamos pessoas. Não estou aqui subordinado à multidão. Não tenho o monopólio da certeza, mas tenho o monopólio íntimo de fazer o que acho certo”.
Agora ocorreu-me uma dúvida: esse comento nada adiáforo foi feito pelo César Augusto ou pelo Marco Aurélio? Cartas à redação.
Aliás o adultério (ad alterum torum ire, ou, em língua de gente, ir para a cama de outro) exige, para ter-se por caracterizado, a existência de nuda cum nudo in solitudine, como sabia o augusto César.
Pelo sim, pelo não, porém, entregou ele à esposa um gracioso mimo: uma concha de ostra, tendo dentro o belo nome dela. E ela nunca mais foi vista em público, pois aquilo recebia o nome técnico de “ostracismo”. Rigorosamente, o termo surgiu na Grécia e a votação era feita utilizando-se barras de argila que tinham a forma da concha da ostra. Daí o nome.
Pois também acabo de ser brindado com um mimo. Logo eu que há tantos anos escrevi eu mesmo meu excelso nome numa concha de ostra.
De fato, uma leitora, amiga de longuíssima data, acaba de enviar-me xerocópia de um documento que teria sido publicado no Diário Oficial. Como não me consta que ela seja uma falsificadora de documentos, submeto-o à minha meia dúzia de leitores, bastando clicar na palavra colorida, que os pernósticos chamam de "tag".
Vejamos a sucessão de fatos: no dia 20 de junho de 2013 o Dr. Luis Roberto Barroso inicia seus trabalhos como ministro do STF; em 12 de agosto de 2013 o escritório que leva o nome do ministro é beneficiado pela União com inexigibilidade de licitação de valor que ultrapassa os 2 milhões de reais, como se fosse aquele o único escritório especializado em arbitragem no Brasil; em 11 de setembro de 2013 o ministro Luis Roberto Barroso dá início à reviravolta que culminou na reabertura do julgamento da Ação Penal 470.
Lembremos que no famigerado processo alguns crimes foram considerados provados por simples presunção, ao argumento de que, se fôssemos exigir prova direta, a esperteza dos cabeças do crime organizado sempre acabaria por leva-los à absolvição. Até doutrina alemã foi especialmente importada para isso, sem pagamento de direitos autorais ao Claus Roxin. Curioso recordar, com Alberto Silva Franco, que a teoria desenvolvida por Roxin, para envolver os “criminosos de gabinete”, foi expressamente invocada no julgamento de Adolf Eichmann, realizado, aliás, por juízes (obviamente suspeitos) de Israel (lembremo-nos que os crimes a ele imputados foram cometidos na Alemanha), o que, no limite, acabou por condenar ao ostracismo a filósofa Hannah Arendt, como se pode ver no excelente filme de Margarethe Von Trotta, ora em exibição.
Se eu fosse a velhinha de Taubaté, que, aliás, o Luis Fernando já aposentou há muitos anos, certamente imaginaria que estamos diante de um homônimo. Mas como o caso se tornou público, é de esperar que contratante e contratada venham a público, como fez César, in illo tempore, para dar os esclarecimentos que todos nós, menos por sermos povo e mais porque é com nosso imposto que os ministros do STF são pagos, merecemos.
Ou talvez seja o caso de citar o filósofo do Méier: “Pode ser que tenhamos alguns direitos iguais, mas a Justiça faz questão de manter os deveres bem diferentes”.

 

 

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