14 novembro 2013

Dos plágios involuntários


Plagium, entre os romanos, significava apropriar-se de escravo alheio. Hoje em dia pode-se dizer que plágio significa “ganhar o pão com o suor do rosto alheio”. Já tive oportunidade de discorrer sobre plágios, reais ou supostos, inclusive os meus, e aparentemente eu não teria motivo para voltar ao tema.
Confesso, porém, que o assunto me parece sempre atual e surgiu uma oportunidade de ouro que eu não gostaria de descartar. Até porque, como já ocorreu outras vezes, eu não digo nada sobre determinada questão, aí vem alguém e diz tudo aquilo que eu havia pensado em dizer mas não disse e eu terei dificuldade em me perdoar pelo meu silêncio, especialmente se quem escreveu antes de mim for aplaudido por sua originalidade. O sucesso alheio dói, como diria qualquer pessoa que fosse honesta com seus sentimentos.
Aliás, talvez até alguém já tenha escrito sobre isso e sobre aquilo que vou escrever e eu, involuntariamente, o estarei plagiando, adotando, como adotei, o estilo Woody Allen de resmungar. Assim é a vida.
Veja se não é.
Você acha que entende de cinema? Então me diga que filme é este: um rapaz pobretão mas bem apessoado conhece uma moça riquíssima que, além dessa nada desprezível qualidade, tem outra, também nada desprezível, pois é belíssima. E ela acaba apaixonando-se por ele. Quer enredo melhor? O problema é que ele tem uma noiva, que está grávida e exige que ele assuma a paternidade do filho comum. A família da ricaça certamente não vai gostar disso e ele então resolve dar um fim no problema, eliminando a namorada. Que filme é esse?
Se você é fã de Woody Allen, certamente respondeu que esse filme é “Match Point”, cujo personagem masculino principal é um tenista. A expressão se refere ao ponto que pode decidir uma partida, donde o filme haver-se chamado no Brasil “Ponto Final”, expressão obviamente ambígua, que o Woody, se soubesse português, certamente aplaudiria. Os tenistas conhecem bem a importância da rede que divide a quadra. Ela tem atuação tão marcante nos jogos que há uma tradição: quando o ponto é conseguido graças ao desvio da bola que toca a rede, o ganhador do ponto pede desculpas ao adversário por essa lamentável colaboração. Lamentável para quem perde, é claro. Por vezes, a bola bate na rede e, em lugar de cair do outro lado, cai do lado onde está seu arremessador. Há no filme uma cena que lembra isso e que terá enorme importância na trama: o assassino atira a aliança da noiva defunta no mar, mas ela, tocando numa mureta, cai do lado de cá, o que significa que a polícia, pelo nome que está na aliança, chegará até o noivo. Ou não.
Acontece que eu falava de outro filme: “Um Lugar ao Sol”, onde o pobretão era interpretado pelo problemático ator Montgomery Clift. A belíssima ricaça era ninguém menos do que a deslumbrante Elizabeth Taylor, por quem, aliás, o Monty era apaixonado, mas jamais teve coragem de assumir isso, talvez por suas tendências homossexuais. Em 1951, época em que George Stevens dirigiu esse filme, a regra era “ajoelhou tem de rezar”. Que fazer, então, com a namorada grávida para fugir do necessário casamento? Levá-la para um passeio de barco, do qual ela não mais voltaria.
Veja os dois filmes e veja se o Woody Allen, cinéfilo como ele só, poderia desconhecer essa trama, embora adapte a história à moral cínica dos tempos presentes.
Pois em livro escrito por Eric Lax, biógrafo de Woody Allen, que reuniu na obra 36 anos de conversas com o cineasta, Allen fala sobre “elaboração de roteiros, formação de elenco e representação, filmagem e direção, montagem e escolha da música”, mas em nenhum momento nem o entrevistado nem o entrevistador fazem referência ao filme de 1951.
Como o Woody Allen diz que tem uma gaveta repleta de papeizinhos nos quais ele anota, diariamente, idéias para filmes e contos, aí vai uma boa idéia para um filme: um jovem sul-americano, no final do século XIX, insiste em criar um veículo que consiga flutuar no ar e ser manejado por um piloto. Quando consegue inventar um desses aparelhos, a que dá o nome de aeroplano, ele embarca para os EUA, a fim de mostrar seu evento a alguns capitalistas. Obviamente ele vai de navio. No local onde será feita a demonstração estão quase todos os magnatas, menos um, que está atrasado. Cria-se um suspense que só é quebrado com a chegada do tal ricaço, que ali comparece a bordo de um aeroplano, inventado recentemente por dois irmãos norte-americanos.
Dá ou não dá uma excelente comédia? Imagine o personagem, interpretado, como quase sempre, pelo próprio diretor, andando de um lado para outro, gaguejando e tentando explicar que sua invenção é anterior à dos dois irmãos inventores.


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