23 maio 2016

Amigado com fé, casado é !

Em 1981 meu pai, Adauto Suannes, foi nomeado para o Tribunal de Alçada Criminal. Eu tinha 12 anos. E ali ficou até ser promovido a Desembargador, em 1983 (ou 84?). 

Na minha cabeça, essa mudança foi muito significativa: ele passou a trabalhar 4 dias inteiros por semana em casa.
 

Até então, Juiz que era, ficava somente algumas manhãs, até ouvirmos o interfone, em seguida ao almoço, avisando que o carro do Tribunal já estava esperando. Na minha memória afetiva, raros eram os almoços em que não estávamos todos os 5 reunidos em volta da mesa.
 

Enfim, agora como Juiz de Alçada, meu pai recebia semanalmente uma pilha de processos que vinham amarrados com um barbante de (fios de) algodão: o próprio motorista trazia (lembro de luvas em suas mãos, mas não sei se faz parte apenas de uma memória imaginativa) e já levava os que estavam prontos.
 

Quando eu estava em casa corria para atender a porta e desatar o nó daquela pilha. Levava todos para a mesa que ficava ao lado da máquina de escrever e abria os processos. Mas não em qualquer lugar. Não tinha graça a parte inicial, muito técnica, que só depois de 7 anos vim a saber, na aula de Direito Penal, que era nada mais nada menos que a Denúncia.
 

O que me interessava certamente não era isso. Era uma sequência de páginas em papel de seda, fininho, carbonado... A cereja do bolo: o interrogatório. Achava curiosa a pergunta sobre sua cor (preciso dizer que a maioria era parda?), a descrição do que ele teria feito, mas o que mais chamava minha atenção era: qual o estado civil?
 

Devo ter lido em alguns “casado” ou “solteiro”, mas o divertido era ler “amasiado”, “amigado”, “amancebado”. Nem sei se perguntei alguma vez ao meu pai o que significasse ou se eu mesma deduzi, mas até hoje acho muito mais charmoso do que “em união estável”.
 

Passada essa fase, era hora de olhar o desenho da silhueta de uma pessoa, com indicações dos locais das lesões. E se fosse meu dia de sorte, na sequência vinham as fotos da vítima.
 

Pode parecer macabro, mas era tudo muito divertido para mim. Sentia-me muito importante nessa função que eu mesma me dei ou talvez tenha adquirido em razão da anuência tácita do meu pai. Meu primeiro contato com processos foi nessa fase, já que, enquanto Juiz de Primeiro Grau, nunca trouxe nada para casa.
 

Sempre tive fascínio pela parte teórica do Direito Penal: me lembro das inúmeras vezes em que chegava da Faculdade, depois das aulas com o Camargo Lima, e discutia com meu pai o que tinha aprendido. Ainda na PUC, fiz Curso de Medicina Legal em que as aulas eram na Faculdade de Medicina, na Av. Dr. Arnaldo. A teoria era muito instigante e investigativa.
 

Na prática, percebi que a Teoria era outra. E nunca tive interesse em Advogar nessa área.
Em 1992, meu pai participou da fundação do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que tem como primeira finalidade, “defender o respeito incondicional aos princípios, direitos e garantias fundamentais que estruturam a Constituição Federal”. E não tenho dúvida de que isso sempre pautou sua vida profissional.
 

Em 2014, ano de sua morte, no 20º Seminário do IBCCRIM, o Instituto lhe prestou uma linda homenagem, na solenidade de abertura, com uma cuidadosa apresentação de fotos embalada pela leitura de um emocionante texto escrito por um querido seu amigo.
 

Dia 19 de maio, 2 anos depois, uma nova homenagem foi marcada: o auditório do IBCCRIM passará a ter seu nome, “afim de que permaneça na memória institucional”.
Não acredito em coincidências, nem ele acreditava.
Mas devo admitir que achar o bilhete abaixo enquanto guardava em sua pasta o convite para a solenidade, me arrepiou.
 

Ou será que não é para tanto?

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