Em 1981 meu pai, Adauto Suannes, foi nomeado para o Tribunal de Alçada Criminal. Eu tinha
12 anos. E ali ficou até ser promovido a Desembargador, em 1983 (ou
84?).
Na minha cabeça, essa mudança foi muito significativa: ele passou a trabalhar 4 dias inteiros por semana em casa.
Até então, Juiz que era, ficava somente algumas manhãs, até ouvirmos o
interfone, em seguida ao almoço, avisando que o carro do Tribunal já
estava esperando. Na minha memória afetiva, raros eram os almoços em que
não estávamos todos os 5 reunidos em volta da mesa.
Enfim, agora
como Juiz de Alçada, meu pai recebia semanalmente uma pilha de processos
que vinham amarrados com um barbante de (fios de) algodão: o próprio
motorista trazia (lembro de luvas em suas mãos, mas não sei se faz parte
apenas de uma memória imaginativa) e já levava os que estavam prontos.
Quando eu estava em casa corria para atender a porta e desatar o nó
daquela pilha. Levava todos para a mesa que ficava ao lado da máquina de
escrever e abria os processos. Mas não em qualquer lugar. Não tinha
graça a parte inicial, muito técnica, que só depois de 7 anos vim a
saber, na aula de Direito Penal, que era nada mais nada menos que a
Denúncia.
O que me interessava certamente não era isso. Era uma
sequência de páginas em papel de seda, fininho, carbonado... A cereja do
bolo: o interrogatório. Achava curiosa a pergunta sobre sua cor
(preciso dizer que a maioria era parda?), a descrição do que ele teria
feito, mas o que mais chamava minha atenção era: qual o estado civil?
Devo ter lido em alguns “casado” ou “solteiro”, mas o divertido era ler
“amasiado”, “amigado”, “amancebado”. Nem sei se perguntei alguma vez ao
meu pai o que significasse ou se eu mesma deduzi, mas até hoje acho
muito mais charmoso do que “em união estável”.
Passada essa fase,
era hora de olhar o desenho da silhueta de uma pessoa, com indicações
dos locais das lesões. E se fosse meu dia de sorte, na sequência vinham
as fotos da vítima.
Pode parecer macabro, mas era tudo muito
divertido para mim. Sentia-me muito importante nessa função que eu mesma
me dei ou talvez tenha adquirido em razão da anuência tácita do meu
pai. Meu primeiro contato com processos foi nessa fase, já que, enquanto
Juiz de Primeiro Grau, nunca trouxe nada para casa.
Sempre tive
fascínio pela parte teórica do Direito Penal: me lembro das inúmeras
vezes em que chegava da Faculdade, depois das aulas com o Camargo Lima, e
discutia com meu pai o que tinha aprendido. Ainda na PUC, fiz Curso de
Medicina Legal em que as aulas eram na Faculdade de Medicina, na Av. Dr.
Arnaldo. A teoria era muito instigante e investigativa.
Na prática, percebi que a Teoria era outra. E nunca tive interesse em Advogar nessa área.
Em 1992, meu pai participou da fundação do IBCCRIM – Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, que tem como primeira finalidade,
“defender o respeito incondicional aos princípios, direitos e garantias
fundamentais que estruturam a Constituição Federal”. E não tenho dúvida
de que isso sempre pautou sua vida profissional.
Em 2014, ano de sua
morte, no 20º Seminário do IBCCRIM, o Instituto lhe prestou uma linda
homenagem, na solenidade de abertura, com uma cuidadosa apresentação de
fotos embalada pela leitura de um emocionante texto escrito por um
querido seu amigo.
Dia 19 de maio, 2 anos depois, uma nova homenagem foi
marcada: o auditório do IBCCRIM passará a ter seu nome, “afim de que
permaneça na memória institucional”.
Não acredito em coincidências, nem ele acreditava.
Mas devo admitir que achar o bilhete abaixo enquanto guardava em sua pasta o convite para a solenidade, me arrepiou.
Ou será que não é para tanto?
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23 maio 2016
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