13 maio 2010

A covardia de cada um


O filme O leitor, prêmio de melhor atriz para Kate Winslet, baseia-se no livro de mesmo nome, que alude a um fato que aqueles que se debruçaram sobre o Tribunal de Nuremberg conhecem de sobra: até onde você é livre para contestar uma ordem que considera imoral? Eu mesmo refiro-me ao tema em livro recente, assunto que tomo a liberdade de resumir para poder voltar ao filme.

O chamado Eixo, composto de Alemanha, Itália e Japão, avançavam sobre países vizinhos, numa típica guerra de conquista, ao mesmo tempo em que os alemães promoviam um pavoroso programa de “aprimoramento da raça ariana”. A certa altura, o Japão resolveu bombardear território norte-americano. Uma série de investidas contra Pearl Harbor causou danos de monta aos norte-americanos, que tiveram o motivo que lhes faltava para entrar na guerra e botar os pés na Europa, de onde nunca mais sairiam. Até hoje historiadores perguntam o que pretenderiam os japoneses provocando quem estava quieto do outro lado do mundo. E também se perguntam como o governo norte-americano não detectou esse possível ataque. Muitos e muitos anos depois historiadores indagariam como o serviço de contra-espionagem norte-americano também não detectou o ataque terrorista às torres gêmeas de Nova Iorque, mas isso é outra história.

O fato é que, a pretexto de convencer os adversários de que a guerra estava perdida para eles, os norte-americanos despejaram bombas atômicas sobre Nagasaki e Hiroshima. Considerando que o líder adversário era alemão, porque lançar aquelas bombas sobre cidades japonesas? Havia, de fato, motivo para isso ou aquilo foi um simples ato de vingança pelas mortes ocorridas em Pearl Harbor? Cartas à redação.

Encerrada a guerra, criou-se um Tribunal para julgar eventuais crimes de guerra. O despejo aparentemente desnecessário das bombas atômicas constituíram, em tese, crimes de guerra, mas apenas os dirigentes nazistas foram submetidos a julgamento pelos crimes que também teriam cometido contra homossexuais, ciganos, negros, aleijados e judeus. O que impressionou os observadores neutros, que assistiram aos julgamentos, foi o fato de muitos desses réus serem pessoas normais, com família bem constituída, que se limitaram a cumprir as leis alemãs.

Veja-se o contraste: é difícil imaginar que algum alemão continuasse vivo se, por questão de consciência, se recusasse a cumprir as ordens que lhe eram dadas por uma autoridade nazista. O mesmo não se pode dizer dos pilotos que despejaram as bombas atômicas. Aqueles foram condenados; estes nem foram processados.

Anos depois, os norte-americanos despejaram bombas de napalm sobre número incontável de vietnamitas. Quem viu a famosíssima foto da menina Phan Kim Phuc jamais se esqueceu disso. O massacre de My Lai produziu quantos condenados? A quais penas? Muitos norte-americanos, como Muhammad Ali, recusaram-se a lutar naquela guerra. E estão vivos até hoje. Preciso dizer mais?

O Exército de Israel também utilizou bombas proibidas contra seus vizinhos.

E daí?

Pois no livro e no filme referidos acima discute-se exatamente isso: aquela jovem alemã poderia recusar-se a fazer o que lhe havia sido determinado por seus superiores? E aquele jovem estudante de Direito tinha o direito de silenciar o que sabia, para não se indispor com os demais membros de sua comunidade?

Faço uma última pergunta: se você fosse aquela moça ou aquele jovem, você teria agido diferentemente?

2 comentários:

  1. Assunto complicado esse, Mestre. Ainda não tive oportunidade de assisti-lo mas li as sinopses. Creio que a grande maioria opta pela omissão, por duas razões principais: 1-simplesmente se omite, pois o assunto não é com ele, mas de alguém que conhece e não quer nem saber; 2-tem uma vontade danada de contar mas receia a reação do envolvido e de seus amigos que podem retaliar contra si ou sua familia. A celebre vendetta. Isso se transforma em outro problema pois se crê na hipótese, se infere que, o que sabe, tem muito peso para prejudicar, quiça condenar alguém, e são poucos os que carregam o peso dessa responsabilidade. Grosso modo como o traficante do pedaço onde mora. Enquanto não mexem com sua familia, que se dane os que consomem ou o mal que causam na comunidade; não é com ele e a polícia que resolva. Creio até, que a maioria quase absoluta desenvolveu o instinto do avestruz, ou o dos três macacos.Honra, dignidade, são qualidades que todos sabem o que é, e que ficam bonitas no discurso mas quantos a praticam? A sociedade anda tão podre que senso de justiça só funciona se for "a meu favor" aos outros, açoite sem dó nem piedade.
    Saúde, sempre.
    Reginaldo Vitullo.

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  2. Adauto,

    Reflexivo texto...
    A história esta recheada destas atrocidades e não se comnpreende como as pessoas obedeciam leis quer iam contra todo e qualquer bom senso. Se um chefe da nação é fanatico, nada justifica que um bando de subalternos acatem ordens que vão contra todos os principios civilizatórios. Mas cada pais tem sua cultura, seu modo de pensar e de agir,e a lei como sempre tende a favorecer o mais forte.
    As vezes não somos covardes mas nos sentimos impotentes e fracos perante o sistema que não nos favorece,então, a gente se exime...
    Vc sabe que eu fui sequestrada em fins de janeiro? Pois fui e os golpistas conseguiram que eu tirasse todas as economias do banco, porque usavam minha filha como refém. Fiquei sem dinheiro mas nos duas saimos sãs e salvas.
    Fiz o BO mas quando o investigador voltou por duas vezes para irmos no Banco pegar a imagem ( de uma senhora golpista que estava comigo), eu não quis, não por covardia, mas por medo que um deles voltasse ( eram 3) e fisessem mal a mim e minha filha. E tudo isso porque se o bando fosse preso hoje, amanhã um advogado com a conivencia de autoridades sem escrupulos os soltaria e a fica-se a mercê desse sistema corrupto e que não nos dá garantia de nada.
    Então, esse negocio de covardia, independente do filme, tem dois pesos e duas medidas.
    Ah, e apesar desse meu sobrenome eu não sou descendente de alemães.
    bjs

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